domingo, 8 de abril de 2012

Vidas passadas

Sempre desconfiei da sanidade do primo Chico... Estrela? Santeiro? Santinho? Sombrinha? Das Almas? Do Brejo? Da Lua? Da Luz? Não lembro. O danado tinha dezenas de sobrenomes. E jurava de mãos atadas e pés juntos ter sido muitos: um poeta romântico no século 19, um nobre decadente no 18, um botocudo no 17, um arcebispo de pouca fé no 16.

Segundo meus cálculos, com mais duas ou três sessões de regressão, ele descobriria ter sido o próprio Moisés. Ou Noé. Talvez Adão. Whatever.

O fato é que o primo acreditava em vidas passadas e outros contos da Carochinha. E eu, de uns tempos pra cá, especialmente depois do casamento, passei a acreditar também. Mas, por favor, não me interpretem mal. Muita calma nessa hora. Não estou falando de outras existências. Estou falando desta aqui. Nossa vidinha nada besta − repleta de inúmeros eus.

Estou falando do meninote que fui um dia. Que adorava caroço de feijão. Que não aprendeu a andar de bicicleta. Que lanchava Mirabel todos os dias. Que, todo tímido, não pediu à tia para ir ao banheiro e fez xixi no uniforme. Que tinha a mão calejada de tanto Atari. Que se encantava com xuxuxus-xaxaxás e outros dadaísmos infantis.

Estou falando do adolescente que fui um dia. Que passou a detestar caroço de feijão. Que não aprendeu a andar de bicicleta. Que não encontrava o valor de x, y e z nas aulas de matemática. Que se tornou louco por futebol. Que sonhou amores impossíveis. Que custou a dar o primeiro beijo. Que se apaixonou pelos Beatles.

Estou falando do homem que sou hoje. Que continua fugindo dos caroços de feijão. Que ainda não aprendeu a andar de bicicleta. Que gosta de sushi. Que faz rafting, tirolesa, arborismo. Que garimpou uma pepita de ouro e casou-se com ela. Que dança sem vergonha. Que vai a pé pro trabalho. Que paga contas. Que dá conta de um mundo novo a cada minuto.

Tantas vidas.

Já posso até imaginar as futuras. Serei eu um quarentão charmoso feito o George Clooney? Um velho quaquilionário, aventureiro como o Tio Patinhas? Um aposentado jogando biriba na Praça Saens Peña? Um escritor reconhecido, um cronista famoso, um candidato a imortal? E – o mais importante – terei enfim aprendido a andar de bicicleta?

(Hum. Não custa nada consultar o primo Chico. Vai que ele tenha sido vidente noutra vida.)

5 comentários:

  1. Bom, eu nem sei se acredito muito nessas coisas, mas minha vó é super crente.

    http://blogdezoitoeagora.blogspot.com.br/

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  2. Pela aparência o Clooney tá mais pra sessentão, ahuahuahuah, parece o avô da loira namorada dele. Ele namora umas mulheres tipo 20 à 30 anos mais jovem inhéca.

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  3. Bom texto. Não sou espírita, mas acredito, o universo guarda surpresas.

    www.todososouvidos.blogspot.com

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  4. bom texto.
    bem o importante é viver essas vidas e se diverti muito!

    http://mundostreze.blogspot.com.br/

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  5. Querido, você, certamente, será um escritor reconhecido, um cronista famoso, um candidato a imortal; só não sei se aprenderá a andar de bicicleta.
    Mas quando aprender, vai adorar.
    Eu prevejo coisas, hein!

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