quinta-feira, 12 de abril de 2012

Os anincéfolos

Teinha no teto do escritório. Cotãozito atrás do baú do Raul. Poeirinha sobre a mesa da sala de jantar. Cueca esquecida no varal. Jesuína, Jesuína! Cantinho da pia do banheiro molhado. Vidro embaçado. Feijão tão salgado. Arroz empapado. Bolo solado. Outro copo quebrado. Jesuína, Jesuína! Onde está com a cabeça, menina?

Nos bebezinhos anincéfolos, sinhô. 

Minha pobre faxineira estava com a cabeça nos fetos a-nen-cé-fa-los, que não sobrevivem por muito tempo fora do útero graças a má formação do encéfalo. Ah, já pedi mil e uma vezes para não me chamar de sinhô. Sinhô está na casa-grande, e meu apê é minúsculo, quase tão pequeno quanto o cérebro do Homer Simpson.

Mas, sinhô, os bichinhos têm o direito de nascer.

Sinhô está no céu, Jesuína − muitíssimo preocupado com a próxima tsunami, o próximo tornado, as águas de março e abril que hão de levar seu barraco e suas panelas. Mas, cá entre nós, acho que o Todo-Poderoso Chefão deveria estar preocupado mesmo com o número cada vez maior de criaturas descerebradas que tem mandado para cá. Não há catástrofe pior.

Diz isso não, sinhozinho. É até pecado.

Pecado é a gente ser obrigado a conviver com aquele sujeitinho que joga lixo no chão para não desempregar os catadores; que prefere filmes dublados porque tem alergia a legendas; que acha o tchê, tchererê, tchê, tchê do Gusttavo (sic) Lima a mais recente obra-prima da música popular brasileira; que jamais ouviu falar nesse tal de Paul McCartney; que tem a ousadia de desperdiçar preciosos 140 caracteres no Twitter perguntando se o Titanic foi um navio de verdade.

Hã?

Nada não, Jesuína. Esquece. Só não esqueça, por favor, que Sinhozinho está lá em Asa Branca, muito bem acompanhado de sua Viúva Porcina, abençoado por Roque Santeiro.

Esqueço não, sinhô.

6 comentários:

  1. Adorei o texto!
    De vez enquanto, uma tipo de revolta com onde a cultura foi parar (principalmente no nosso país) nos atinge de tal maneira, que caímos até em atitude ditas 'rudes' e 'grossas'. Acontece, e o jeito é apenas ignorar, ler um bom livro, enquanto tocam funk do lado de fora.

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  2. Olá :)

    Achei bem interessante a forma como tratou um assunto sério e tão polêmico, com um certo senso de humor! Hehehe

    Beijinhos

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  3. Rs...Não teria como uma empregada parar de chamar assim provavelmente. Tem que chamar de alguma coisa néa.

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  4. Adorei seu blog !
    muito diferente de tudo que vi !
    simplesmente amei!
    Parabéns
    http://realityedreams.blogspot.com.br/

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  5. Incrivel... esse é um dos melhores textos que li...

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  6. Interessante o texto!

    www.todososouvidos.blogspot.com

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