quinta-feira, 5 de abril de 2012

Histórias cruzadas

Garotinha. Pequenininha. Loirinha. Roupão rosinha. Mãozinhas dadas com o vozinho. Saindo da natação com um T-Rex de plástico no colo. Fofa.

O homem na mesa do bar. Os mesmos cabelos brancos. O mesmo rosto cansado. As mesmas mãos trêmulas. O mesmo copo vazio. Até as notícias na tevê são as mesmas.
                
A mulher de óculos escuros espera o sinal fechar. Enquanto isso, discute a relação pelo Nextel e entorta o pescoço do guarda de trânsito, que por pouco não engole o apito.

Três mocinhas com uniforme escolar customizadamente curtinho gritam na direção do outro lado da calçada. Gritam de novo. Parece que o menino só tem ouvidos para o seu iPod.

O mendigo se mexe, se coça, ameaça sair do lugar, e a senhora de vestido florido se refugia na papelaria da esquina com seu carrinho de compras e sua Louis Vuitton.

Senhora que um dia foi casada com o vozinho da garotinha fofa. Que é filha da mulher de óculos escuros. Que já teve um romance com o guarda de trânsito. Que é pai do menino do iPod. Que resolveu incendiar o mendigo porque ele se aproximou das três mocinhas para implorar por um prato de comida ou dez centavos.

Na mesa do bar, ainda repousa o mesmo homem, os mesmos cabelos brancos, o mesmo rosto cansado. Na tevê, a notícia de um morador de rua com o corpo quase inteiramente queimado. À beira da morte. À espera de um milagre que jamais acontecerá. A polícia promete solucionar o caso. Mas não tem pistas do criminoso.

As mesmas mãos trêmulas veem o mesmo copo vazio – e pedem a saideira.

6 comentários:

  1. Você escreve muito bem.
    Mas a minha filosofia é mais puxada para o Heráclito, que diz que tudo está em constante transformação. Tudo é mutável. Então apesar de as cenas se repetirem, seu externo já está diferente, os carros, a roupa do jornalista, o som do Ipod do menino, o motivo da briga via Nextel.
    O sentimento de vazio, é o mesmo.
    A indiferença a mesma.
    Mas os fios brancos do bêbado, não são mais os mesmos.

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  2. É , é a vida para uns bom e para outros ruim...

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  3. Nossa, esse é aquele tipo de texto que deixa você "preso" na leitura, muito bom, do início até o fim.

    abraço

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