domingo, 1 de maio de 2016

Madruga

Parece maldade pedir ao trabalhador que acorde cedo no seu dia, ainda mais quando o feriado cai num domingo. Mas não é maldade – é metáfora. A ideia aqui não é intimá-lo a deixar a cama antes que o sol bata ponto no horizonte. É querer que ele finalmente desperte do sonho que o faz acreditar na riqueza e na prosperidade como destinos inevitáveis de uma vida dedicada às horas extras.

Não tem ajuda divina para quem cedo madruga; o que tem é slogan usado por patrões que desejam a qualquer custo (menos o deles, claro) aumentar a produtividade e o lucro.

Um bom exemplo disso são os Estados Unidos. Não bastasse grande parte dos trabalhadores de lá mal ganhar quinze dólares por hora e jamais ter ouvido falar em décimo terceiro, férias remuneradas, fundo de garantia e afins (que não existem por aquelas bandas), os mui bem pagos CEOs ainda inventam um tal just-in-time-schedulling, última tendência em flexibilização do trabalho: o funcionário liga ou manda uma mensagem para o chefe no comecinho da manhã perguntando se precisará dele naquele dia; caso a resposta seja negativa, o sujeito fica em casa – sem receber.

Pouco importa que o camarada tenha seus gastos inadiáveis com o aluguel do apê ou a hipoteca da casa, com o plano de saúde ou a conta de luz. Pouco importa que não tenha mais um salário certo no fim da semana, do mês, do ano. Pouco importa que não possa programar a própria vida. O que importa é que a empresa tenha se livrado daquela despesa fixa e possa faturar ainda mais.

É ou não a terra das oportunidades... para as corporações?

Corta para o Brasil – que também virou terra das oportunidades depois que uma crise econômica ergueu a ponte ideal para um futuro distópico. Afastada a presidenta que vacila na reforma da Previdência ou na terceirização do mercado de trabalho (e dizimado o governo que reduziu desigualdades seculares ao diminuir significativamente a pobreza extrema e aumentar consideravelmente o salário mínimo), assume o grupo político que, patrocinado pela elite fiespiana, vê no caos a chance de aprovar leis que só a beneficiam – tudo sob o álibi da recuperação da economia.

Duas dessas leis já tramitam no Regresso (vulgo Congresso): a primeira reconhece a contratação de prestadoras de serviços para executarem as chamadas atividades-fim (ou seja, uma clínica que queira lipoaspirar encargos trabalhistas e previdenciários para siliconar sua margem de lucro poderá contar com médicos terceirizados); já a segunda lei permite que acordos coletivos entre patrões e empregados se sobreponham à CLT, ainda que isso signifique perdas para os trabalhadores.

Como o que é ruim pode piorar, a facção prestes a tomar o poder planeja ainda aprofundar o famigerado ajuste fiscal. Sendo seus financiadores os patos que (não) são, é óbvio que esse ajuste vai nadar bem longe da taxação de grandes fortunas, do combate rigoroso à sonegação de impostos e de uma reforma tributária afeita à desconcentração de renda. O mergulho há de ser na parte mais funda do lago, onde boiam os peixes pequenos.

Daí a intenção de – sob o pretexto de flexibilizar o orçamento – acabar com os investimentos obrigatórios, estabelecidos em lei, relativos à saúde e à educação; afinal, quem precisa de hospitais e escolas gratuitos e de qualidade, senão os mais pobres? Daí a proposta de – sob a alegação de reequilibrar as contas públicas – desvincular benefícios da Previdência dos reajustes concedidos ao salário mínimo; assim aposentados, por exemplo, passariam a ter apenas a reposição da inflação.

Medidas amargas mas necessárias – repete diariamente a mídia corporativa, sempre disposta a defender os interesses de seus anunciantes.

É por tudo isso que o cidadão ainda anestesiado pelo ódio a um partido – bela adormecida aparentemente imune a qualquer selinho de esclarecimento – tem de acordar o mais rápido possível desse pesadelo capaz de reunir impeachment e esperança sobre o mesmo colchão. É urgente que ele largue todos os travesseiros estofados de ingenuidade e lute por seus direitos. Antes que o retrocesso e a viagem ao passado sejam tão radicais, que o país volte a se chamar Estados Unidos.

A se julgar o rumo das coisas, até que seria um nome mais adequado.

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