domingo, 22 de maio de 2016

Cultura

Não sei o que é pior: a extinção (temporária) do Ministério da Cultura – algo tão simbolicamente desastroso quanto um ministério formado apenas por homens brancos em pleno século 21 – ou as pessoas defendendo o fim da pasta com a justificativa de que o momento é de crise e, portanto, as prioridades devem ser o emprego, a saúde e a educação.

Como se a cultura – aqui sinônimo de arte – fosse um pudim do qual se pode abrir mão para garantir o feijão com arroz. Visãozinha mais tacanha essa.

Cultura É emprego, minha gente. Deem um google na vida e vão descobrir que, entre 2003 e 2010, nossa produção cinematográfica saltou de seis para 150 filmes por ano. Vão calcular quantos empregos diretos e indiretos foram gerados com esse crescimento. Ou com o boom das peças musicais na última década. Ou com o ressurgimento do carnaval de rua (graças aos inúmeros blocos criados) em cidades como o Rio de Janeiro.

Já passou o tempo em que o foco dos governos era só indústria siderúrgica ou metalúrgica. Nos países mais avançados, a indústria cultural é segmento estratégico, fundamental para o desenvolvimento – inclusive econômico – do Estado. Não fosse assim, os Estados Unidos renunciariam aos dividendos não somente financeiros que lhes rende Hollywood ou mesmo a Broadway.

Mas e os que sofrem nas filas dos hospitais sem atendimento? – pergunta quem critica os artistas que levantaram plaquinhas em Cannes por nunca se manifestarem sobre o caos na saúde (sendo que esse mesmo crítico jamais cobrou os médicos por não tomarem as ruas para reivindicar, por exemplo, cinemas e teatros nas periferias).

Cultura também É saúde, criatura. Não faltam pesquisas listando as vantagens das atividades culturais para o corpo e a mente. Uma recente, na Inglaterra, mostra que pessoas que vão a pelo menos um museu por ano têm uma chance quase 60% maior de afirmar que são saudáveis. Outro estudo revela que participar de aulas de dança regularmente é um ótimo jeito de eliminar quilos extras e prevenir doenças cardiovasculares, o que reduz a demanda por leitos hospitalares.

E de que adianta tanto livro, filme, peça, concerto ou exposição se não há escolas decentes para ensinar o povo a apreciá-los?

Educação não acontece só na sala de aula, filhote. Um cidadão em contato com diversas manifestações artísticas desde os gugudadás já está sendo educado, e certamente chegará ao ensino formal mais bem preparado. Não resta dúvida de que a criança imersa num ambiente culturalmente rico – abraçada por toda forma de poesia ainda no berço – terá muito mais facilidade de absorver e até mesmo questionar os conteúdos que lhe serão apresentados pelos professores.

Outro dia, saiu uma notícia de que células tumorais expostas à “Quinta sinfonia” de Beethoven diminuíram ou morreram. Pois então: abdicar da cultura, sob qualquer pretexto, em qualquer época ou lugar, é como interromper a melodia e deixar a sociedade vulnerável ao mais perigoso tipo de câncer – aquele cujos principais sintomas são a ignorância, o preconceito, o ódio.

E cujas sequelas não podem ser revertidas por medida provisória.

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