domingo, 16 de fevereiro de 2014

Corrente do bem

Detesto correntes: aquelas mensagens edificantes, engraçadinhas, esotéricas ou tudo isso junto e misturado que os amigos (amigos?) insistem em enviar por e-mail ou compartilhar pelas redes sociais. Não abro, não clico, não leio, não repasso nem para dez mil inimigos – e não estou aí para os dez anos de azar a que costumo ser condenado por não entrar na brincadeira.

Devo esclarecer ainda que minha ojeriza só aumenta quando as ditas-cujas trazem aqueles textos cafonérrimos e cheios de maiúsculas (sobre Amizade, Amor ou Afins) atribuídos a autores como Clarice, Pessoa, Verissimo ou Millôr. Coitados. Tanta noite maldormida, tanta palavra friamente calculada – para de repente o nome assinar coisas do tipo “o dinheiro compra um mausoléu, mas não um lugar no céu”.

Ninguém merece. Ou o Paulo Coelho e olhe lá.

Ditos os entretantos, vamos aos finalmentes. Resolvi abrir exceção para uma corrente bem-vindíssima – especialmente num mundo cada vez mais analfabeto – que se espalhou nas últimas semanas pelo Face: listar “os dez livros que mais me emocionaram, fizeram refletir ou intrigaram”, os primeiros que me viessem à cabeça. A ideia era trocar figurinhas literárias. Eu poderia “marcar” dez amigos para que o vírus (do bem) se propagasse. Ou, se preferisse, deixar que se sentissem à vontade para continuar ou não o jogo. Meu caso.

Aos dez mais, então; sem ordem de preferência.

Eu não poderia começar minha lista com outro livro que não Meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos. A morte trágica de certo gajo foi seguramente uma das primeiras fitas-verdes perdidas por Zezé, o molequíssimo protagonista, e por este menino que vos escreve.

Menino que não passou a infância em brancas aventuras. Como esquecer as cores fortes daquelas novelinhas da coleção Vaga-Lume? O mistério do cinco estrelas, de Marcos Rey, fica como representante de uma série repleta de clássicos, como Um cadáver ouve rádio (do mesmo autor) e O escaravelho do diabo (de Lúcia Machado de Almeida).

Outra obra fundamental dos tempos em que o sacolé da vó Marieta dava conta de qualquer veranico carioca: os quadrinhos do velho Scrooge McDuck. Destaque para A saga do Tio Patinhas, a graphic novel de Keno Don Rosa que conta a vida do pato mais rico do mundo. E ai de quem ousar dizer que HQs não valem uma pataca furada.

Do McDuck para o Ebenezer, foi um pulo – até Londres. Um conto de Natal, de Charles Dickens, é quase o melhor fantasma dos Natais passados.

Talvez só perca para outra assombração, Brás Cubas, o defunto-autor das Memórias póstumas. Toda vez que abro o romance do Machado (de Assis), seja no capítulo que for, tenho os pés puxados pela consciência de que sou um verme da pior espécie – principalmente quando escrevo.

Falando em Memórias, como não lembrar as sentimentais de João Miramar, de Oswald de Andrade? A narrativa fragmentada, a mistura de prosa e poesia, a explosão da linguagem em tantas direções e sentidos certamente despertaram a semana de arte moderna que havia em mim.

Semana que virou mês que virou ano que virou uma vida inteira de alumbramento quando li um outro chamado João e suas Primeiras estórias. Impossível navegar esse Guimarães Rosa sem ser inundado por seus contos-rios, sem ser arrastado por eles até a terceira, quarta, quinta, enésima... margem da palavra. Um livro particularmente infinito.

Pena o top ten não ser também infinito. Só há espaço para mais três: o Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago, romance tão incrivelmente visual que eu já o tinha filmado na cachola muito antes do Fernando Meirelles; A graça da coisa, ou qualquer happy hour de crônicas da Martha Medeiros, cuja simplicidade e fluidez do texto ainda hei de alcançar; e Antologia, de Manuel Carlos Mendes Neto, coletânea organizada por mim mesmo no último período de Letras, reunindo Bandeira, Drummond, Murilo e João Cabral – porque não dá pra viver sem alguma poesia.

Como não dá pra viver sem espiar a listinha alheia. Já preparou a sua? Compartilhou? Ou vai se arriscar à maldição de ler a próxima “saga” de Stephenie Meyer?

Essa nem dez mil inimigos podem deixar de perder.

2 comentários:

  1. A série Vaga-lume era boa demais! Li quase todos! Marcos Rey é o cara! Não pensei em dez, mas a minha lista incluiria "O menino maluquinho", "Marley & eu" (tá passando o filme agora! rs) e "Hamlet". Marcam épocas bem distintas da minha vida.

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  2. Você não gosta de correntes? Diz isso por que não me conhece amigo, eu odeio as ditas cujas!
    Eu vi esta no face também, até fiquei com vontade de "brincar" mas deixei pra fazer depois e nem fiz, mas ela é legal né?
    Só que tenho bem mais de 10 livros que me emocionaram, chega a ser uma injustiça escolher entre um deles.
    http://detudoumpouco28.blogspot.com

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