domingo, 11 de março de 2012

Felizes para sempre

Não sei se o leitor já percebeu, mas de tempos em tempos  graças a um raro alinhamento de planetas talvez  surge uma pesquisa ibópica que constata que o povo brasileiro é o mais feliz do mundo; que o povo brasileiro é o mais otimista do Sistema Solar; que o povo brasileiro é o mais contente da Via Láctea; que o povo brasileiro é o mais alegre do universo.

Na última, entrevistaram o Joãozinho − que mora lá onde Judas perdeu as calças e sai de casa às quatro da matina para pegar a Kombi piratona do Zeca Milícia, a maria-fumaça superlotada (que enguiça todo santo dia na sexta estação do ramal de Japeri) e o metrô-sauna de fabricação chinesa, administração carioca. Tudo isso para chegar ao serviço apenas meia horinha atrasado, dois terços amassado, um pisoteado.

Entrevistaram também a Mariazinha − abandonada pelo marido bebum, pelos filhotes traficantes, pela filha de programa, pelos irmãos estelionatários, pela mãe cafetina, pelo pai (desconhecido), mas assistida pelo Bolsa-quem-diria-Família, pela igreja de Nossa Senhora do Dízimo Sagrado e pela organização-não-governamental-que-só-funciona-com-verba-governamental Brasileiras Unidas Não Desistem Nunca.

Por fim, entrevistaram o Juracy (ou a Juracy, não foi possível identificar com precisão) − que tem gastado a sola e o salto do sapato, comprado em duas míseras dúzias de prestações, na fila de um hospital público para marcar a cirurgia de safena da mãe. (Dona Pequenina sofre do coração desde que descobriu a paixão do filho [ou da filha] por silicone, purpurina e Justin Bieber.)

O que os três simpáticos personagens têm em comum? Trabalham felizes da vida num canteiro de obras onde será erguido o maior elefante branco com bolinhas verdes e amarelas nunca antes visto na história desta nação  o monumento-símbolo da Copa de Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, a serem realizados no Brasil-sil-sil.

"Mas por que Joãozinho, Mariazinha e Juracy têm o sorriso tão aberto assim?", perguntaria um sujeito amargo como eu, que certamente não foi entrevistado. Porque, segundo eles, apesar das dificuldades, estão ganhando o salário mínimo e suado para construir um pedacinho do futuro do país − salário que, se não dá para encher a geladeira velha nem o armário caindo aos pedaços, ao menos garante o chopinho do fim de semana no bar do Portuga.

Ah, bom. Agora entendi a razão de tanta felicidade.

E entendi também que não é por acaso nem por falta de diplomacia − e sim por percisão − que o povo mais feliz do mundo, mais otimista do Sistema Solar, mais contente da Via Láctea, mais alegre do universo merece de vez em quando um bom chute no traseiro.

11 comentários:

  1. Ironia perfeita para falar de um assunto tão sério e, de fato, incompreensível. Acabei de ver o ator Milton Gonçalves dizer na TV que "se fôssemos carrancudos, germânicos, o país já teria acabado". E acho que é mesmo verdade; se o povo não acreditasse que é feliz ganhando uma miséria e pegando o trem lotado, já estaríamos em guerra. Sendo otimistas, é provável que nada nunca vá mudar, mas também haverá sempre o carnaval e o goró depois do expediente...

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  2. Essas pesquisas só mostram o que convém: os Joãozinhos, as Mariazinhas e o(a)s Juracys felizes da vida com seu salário de fome e todas as mazelas sociais.

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  3. E a grande massa feliz! haha, muito bom ;)

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  4. Adorei seu texto, num tom irônico e escrito super bem!
    E realmente, se todas as pesquisas feitas sobre a felicidade se basearem nesse tipo de felicidade - apenas superficial, sem analisar a realidade e as dificuldades de cada um -, nunca deixaremos de ser o país mais feliz do mundo!

    Parabéns pelo blog, estou seguindo!

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  5. o povo brasileiro tá longe de ser o mais feliz e otimista, a maioria nem pensa em um futuro

    http://rocknrollpost.blogspot.com/

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  6. Acredito que a essência de nosso Povo é otimista e feliz, de verdade. Explico: vivemos (o Povo) levando, como você diz,"pontapés na bunda", sempre achando que as coisas vão mudar para melhor, apesar de os pontapés continuarem nos empurrando para a frente. Acho bom ser otimista e feliz mas também penso que devemos (o Povo) acordar e aproveitar o otimismo e a felicidade e até os pontapés que nos empurram para a frente e fazer algo de mais concreto e positivo para nós mesmos. Tudo tem limite.

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  7. Olá, gostei do blog e das postagens. Gostaria de lhe convidar para minha
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    Super abraço!

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  8. eu gosto do jeito irônico que vc escreve
    fica muito legal,parabéns amigo

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  9. Não só pessoas bajulam outras com certas intenções, como também a mídia, principalmente a TV tem essa mania de bajular o povo brasileiro, para com isso exercer um certo controle sobre os telespectadores, os quais ficam com o ego inflado por estas bajulações. Ser humano procura controlar outro. A diferença é que a TV controla milhões usando a arma da bajulação.

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