domingo, 13 de abril de 2014

Atentado

Aquele pão com manteiga estatelado no piso que a patroa tinha acabado varrer não podia dar em boa coisa. Era sinal amarelo demais. Ainda assim, Seu Aparecido insistiu em sair de casa para ir ao banco retirar a raquítica aposentadoria – prêmio de consolação por séculos de serviços prestados aos ternos e paletós daquela cidade. Não havia sujeito bem vestido na região, a começar por prefeitos e vereadores, que não tivesse passado pelas agulhas e tesouras do alfaiate.

Só que isso não vem ao caso. Nem sei por que estou falando essas coisas. Afinal, o que fez Seu Aparecido virar notícia no país inteiro não foi seu talento com roupas e afins. Ao contrário. Muito ao contrário. Aliás, quem presenciou a cena ao vivo e em cores garante que foi tão ao contrário quanto uma cueca samba-canção – das favoritas do nosso herói – vestida do avesso. Vejamos então.

Mas com as devidas tarjas pretas – para não ferirmos olhos e suscetibilidades.

Como todo início de mês, Seu Aparecido se dirigiu à agência bancária de sempre para sacar seus tostões. Antes, porém, de atravessar a temível porta giratória (estrela dos seus, dos meus, dos nossos pesadelos mais claustrofóbicos) e embrenhar-se no banco, descansou celular e chaves numa conchinha de vidro, sob os narizes farejantes dos seguranças. Bom dia, rapazes – e lá foi ele.

Não, não foi. A bicha-papuda travou.

Culpa de umas moedinhas que esquecera no bolso da camisa. Aqui estão, rapazes – e lá foi ele de novo. Não, não foi. A bicha permanecia tão parada a Avenida Brasil na hora do rush. Ah, as fivelas dos sapatos. Aqui estão, rapazes – e lá foi ele outra vez. Não, não foi. A bicha insistia em sua greve. O cinto, claro. Aqui está, rapazes – e lá foi ele ainda cheio de esperança. Não, não foi. Bicha filha de uma...

Enquanto Seu Aparecido ia perdendo as estribeiras e peças do elegante figurino, os seguranças, do outro lado da porta, se desfaziam em mímicas para tentar acalmá-lo. Por que não destravaram logo a dita-cuja e permitiram sua entrada – afinal, ele era cliente daquele banco desde mil novecentos e dercy gonçalves – é mistério que só um exame detalhado em seus respectivos córtices cerebrais poderá desvendar.

Para deixar tudo mais tenso, uma fila de clientes e curiosos foi se formando atrás do nosso personagem. Que tirou o terno, a camisa, as meias, a calça. Sobrou até para a peruca. Não adiantou nada. A bicha nem se mexia. Continuava tão travada quanto meu Internet Explorer. Beijinho no ombro – ela diria se falasse. A essa altura, já se ouviam gritos a favor de um striptease completo, vaias contra o capitalismo judaico-cristão ocidental e a sirene da polícia.
           
Seu Aparecido não segurou o rojão. Mas resolveu mostrá-lo. Incorporou o go-go boy e arrancou, com requintes de vandalismo, o último adereço que o distinguia dos astros da G. Aqui está, rapazes – e lá foi ele. Sim, ele foi. Ele finalmente foi. Só que direto para o camburão. Estava preso por gravíssimo atentado. Ao pudor? Quis saber uma senhorinha de guarda-chuva em riste, aparentemente indignada com a atitude dos policiais.

Não, madame. À liberdade de expressão e manifestação da porta giratória; ao seu inalienável direito de (não) ir e (não) vir.

2 comentários:

  1. Fabio, bom dia! Como gostei desta! e como odeio aquela porta giratória que sempre trava apesar do meu medo de que isto aconteça....rs..... Abraço,

    ResponderExcluir