domingo, 21 de abril de 2013

Invasão de privacidade

Já era tarde, tarde. O relógio da cozinha ardia 12 horas e 37 minutos. Trinta e oito. Eu tinha que estar na escola às treze. Saí tão apressado que esqueci de fechar o gás. Não voltei. Chamei o elevador e desci as escadas. Boa tarde, boa tarde – o porteiro mal me reconheceu. Bati o portão. Corri até o ponto de ônibus.

Um homem falava no celular: tem alguma coisa acontecendo com a Alice. Há duas ou três semanas ela não sai de casa. Também não tenho visto o François nem o menino. Quero ver meu sobrinho. Acho que estão escondendo alguma coisa de mim. Vou lá agora tirar essa história a limpo.

O sujeito tomou o primeiro táxi. Tomei o segundo: siga aquele carro. (Sempre quis dizer isso.) Quatro, cinco ruas depois, paramos diante de um casarão que eu jurava abandonado. Tocamos a campainha. Fomos recebidos por uma mulher que fazia jus ao nome. Transpirava um ar de menina apesar das primeiras rugas.

Uma brisa descoloria seus olhos verdes.

O homem perguntou do menino. Só queria saber do sobrinho. Onde ele está? O que você fez com o garoto? Alice respondeu com uma xícara de chá. Deixei os dois e subi até o andar dos quartos. O do menino tinha brinquedos espalhados, o Playstation ligado, aquela musiquinha do Super Mario.

O dela estava com a porta entreaberta: alguém tomava banho. A cama toda desarrumada. Uma bolsa de viagem sobre os lençóis – manchados de vermelho. Um cheiro de carne podre vinha da sacola. Me aproximei como as moscas. Puxei o zíper com cuidado; ainda assim, fez um ruído de parar o mundo.

O chuveiro parou.

O relógio ardia 12 horas e 38 minutos. Trinta e nove. Eu tinha que estar na escola às treze. Saí tão apressado que não me despedi de Alice. Esqueci até de fechar o gás. Não voltei. Chamei o elevador e desci as escadas. Boa tarde, boa tarde – o porteiro mal me reconheceu. Bati o portão. Corri até o ponto de ônibus.

Um homem falando no celular tomou o primeiro táxi. E eu tomei o 226, que veio logo em seguida. Já era tarde, tarde.

4 comentários:

  1. Olá Fabio.
    Este é um belo texto, ou uma bela estória. Não sei. Mas confesso que não entendi o significado dela, porém, adorei as palavras usadas e a imaginação que tive ao ler. Não entendi o que você quis passar para nós, leitores, mas, mesmo assim eu gostei do texto...
    Forte abraço!

    Opiniões e um Mundo,
    opinializacao.blogspot.com.br

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  2. Amei seu blog, é a primeira de muitas vezes que o visito. E parabéns pelo conto. Muito bem produzido.

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  3. Sobre textos o seu blog é o melhor que conheço, parabéns!

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  4. uauuu... quanta arte!
    há muito não tinha uma leitura tão gostosa, um deleite!
    Simplesmente encantei com sua forma de escrever e sua estória!
    Parabéns...

    Retribuindo a visitinha e seguindo.
    Abraços

    http://mmelofazminhacabeca.blogspot.com.br/2013/04/a-estreia-de-o-homem-de-ferro-3.html

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