domingo, 7 de abril de 2013

Rosebud...

Acabo de subir mais um degrau (dos grandes) rumo ao topo da pirâmide cinéfila: enfim assisti ao famigerado Cidadão Kane, de Orson Welles, filme que costuma encabeçar onze entre dez listas de melhores de todos os tempos.

Que roteiro. De matar, esquartejar e enterrar de inveja o escritor mais experiente e premiado; imagine eu então, mero contador de causos. Entremeado por flashbacks e lembranças de um e outro personagem, o script ilumina e penumbra a história do milionário megalomaníaco Charles Foster Kane (o próprio Welles), permitindo e ao mesmo tempo impedindo que o decifremos.

Não é à toa que a fotografia ecoa expressionismos ao usar como matéria-prima a sombra, que jamais nos deixa entrever a alma do protagonista, a não ser alguns dos espectros que a compõem. O mesmo vale para a montagem, tecida adequadamente como uma colcha de retalhos – a metáfora perfeita para a trajetória de Kane; para a estrada (esburacada) que cada um de nós percorre durante a vida.

E aí chegamos ao que é essencial no filme de Welles: a reflexão sobre aquilo que perdemos dia após dia quando escolhemos ou somos levados a escolher determinado caminho. O que teria acontecido com o menino Charles – quem ele seria – se não o tivessem arrancado de seu tão querido trenó? Se não o tivessem separado de sua família?

O que teria acontecido com você se tivesse se declarado àquela paixão? Se tivesse subido naquele ônibus? Se tivesse passado naquela prova? Se tivesse esperado aquela carona? Se tivesse aceitado aquela proposta? Se tivesse vencido aquele jogo? Se tivesse apostado naquele número? Se tivesse escrito aquele romance até o final?

Quem seria?

Difícil saber. Bobagem tentar descobrir. Porque não há pote algum no fim do arco-íris. O que há é o próprio arco-íris: a estrada que cada um percorre – que cada um é –, feita de sins e nãos, de espectros e retalhos, de incontáveis e às vezes inesperados desvios, onde não há espaço para o talvez, para o e se.

O jornalista que investiga a vida de Kane, diferentemente do espectador, acaba não desvendando o significado de Rosebud – palavra que o magnata pronuncia no leito de morte. Pouco importa. Ela não é a chave a abrir todas as portas do mundo de Charles; é apenas uma peça de um quebra-cabeça aparentemente infinito.

Quebra-cabeça que somos todos nós, emaranhado de peças achadas e perdidas, impossível de se montar, de se ver na totalidade.

Resta aos outros e a cada um de nós o mistério de quem somos. O fascinante mistério. E o caminho, claro. A tal estrada. Que, esperamos, não nos conduza – como se deu com Kane em seu último ato – a um imenso labirinto de corredores e salões vazios; a um mausoléu distante de tudo, de todos e até (ou especialmente) dele mesmo.

A um lugar que nada mais é do que a moradia daqueles que esquecem quem são.

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