quinta-feira, 3 de maio de 2012

Famigeradas

Já é notícia velha, senil até: o Supremo Tribunal Federal validou, por unanimidade, a adoção de políticas de reserva de vagas para garantir o acesso de negros e pardos a instituições de ensino superior em todo o Brasil-sil-sil. Noutras palavras, estão enfim legitimadas as tão discutidas (ou discutíveis) cotas raciais. Segundo os ilustres ministros que julgaram o tema, as famigeradas são necessárias para corrigir o histórico de discriminação no país e reduzir a desigualdade.

A-hã.

Deixa ver se eu entendi: o bacuri que teve a infelicidade de nascer numa comunidade carente (de saneamento básico, de escola nota dez, de hospital saudável, de paz em cada beco, de lazer na pracinha), mas a felicidade de ser mais corado que o vizinho, terá mais chances de entrar numa universidade? O Estado – que o abandonou desde o começo da vida, que não lhe assegurou os direitos fundamentais – vai agora remediar seus erros com um paliativo?

Maravilha. Nada mais conveniente que maquiar a própria incompetência – e descaso – com um bocado de demagogia. 

A sensibilidade dos ilustres ministros, em sua maioria senhores brancos, foi tão imensa que me comoveu. Por pouco não chorei. Quanta generosidade e boa vontade com os povos oprimidos pelo Sistema e pela História, esses deuses que nos maltratam ano após ano, século após século, independentemente dos nossos sinceros desejos de igualdade.

Bom, já que sou voto vencido pela unanimidade do Supremo (que jamais foi burra, seu Nelson), gostaria ao menos que a genial ideia das cotas extrapolasse a senzala das raças e se expandisse por outras casas-grandes. Exemplo: o Congresso Nacional. Que tal passarmos a reservar umas vaguinhas para políticos honestos, uma vez que, na base do voto, não arrumamos nada?

Quem sabe assim um dia tenhamos representantes verdadeiramente dispostos a tratar as causas da nossa miséria, não apenas preocupados em mal administrar suas consequências. Quem sabe assim um dia não precisemos de cotas e quetais para "fazer justiça" àquele bacuri preto, branco, amarelo ou vermelho – que teve a infelicidade de nascer numa comunidade carente.

E não quer esperar até o fim do ensino médio para ser descoberto pelo Estado.

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