domingo, 21 de maio de 2017

Animais carnívoros

Se as últimas delações serviram para alguma coisa até agora, foi pôr fim à lenda urbana e rural de que a Friboi é do filho do Lula. Ficou claro que quem manda no país, digo, na companhia é a dupla Joesley e Wesley – assim como ficou claro que o sertanejo nutella, vulgo “universitário”, envenenou os ouvidos brasileiros de tal modo que eles passaram a acreditar em todo tipo de lorotas, até nas que não são contadas no Jornal Nacional.

Outro mito derrubado é o de que bilionários se fazem apenas com trabalho duro e despertador programado para tocar às cinco. Calma, friboizetes: ninguém duvida de que os irmãos Batista tenham seus méritos. Ninguém duvida de que tenham se empenhado em estudar o mercado e buscar oportunidades de lucro. Ninguém duvida de que trocaram inúmeras noites em suas camas quentinhas por madrugadas no frigorífico para se tornarem donos da maior produtora de carne do planeta.

Ao mesmo tempo, porém, não dá para duvidar de que os manos só acumularam tantos bilhões graças ao auxílio generoso do Estado brasileiro. O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) emprestou milhões à JBS para que adquirisse concorrentes, incrementasse sua expansão internacional e se tornasse a multinacional que é hoje. Se não fosse esse Carne Sem Fronteiras, nem saberíamos quem são Joesley e Wesley – ainda estaríamos falando de Maiara e Maraísa.

O noticiário da semana contou e recontou esse case de sucesso do capitalismo de compadrio – aquele em que o êxito do negócio depende das estreitas relações entre empresários que financiam campanhas eleitorais e políticos que legislam a favor de seus patrocinadores – como se estivesse diante da última picanha do churrasco; quase como se essa fosse uma prática inventada pelos governos petistas e materializada por Temer no já célebre encontro com Joesley no Jaburu, em que o ex-deputado Eduardo Cunha aparentemente era (tem gosto pra tudo) o prato principal.

Chega a ser um deboche uma das empresas que mais se beneficiaram da intimidade com o Estado para se tornar a número um em seu ramo no Brasil (e a número dois ou três no mundo) criticar quaisquer relações nebulosas entre iniciativa privada e poder público. Quem foi além do sumário nos livros de História sabe que a Globo apoiou o regime militar a ponto de, no dia seguinte ao golpe, em 2 de abril de 1964, celebrar em seu diário de papel o restabelecimento da... democracia. A lua de mel entre Marinhos e milicos se estendeu por tanto tempo que, oito anos depois, o então presidente Emílio Garrastazu Médici afirmou que se sentia feliz ao ver no telejornal apresentado por Cid Moreira que “o mundo estava um caos, mas o Brasil estava em paz”.

É óbvio que tanto plim-plim rendeu muito dindim: que veio na forma da instalação de um sistema nacional de torres de televisão bancada pelo governo; da associação entre a emissora carioca e emissoras espalhadas pelo país, muitas delas pertencentes a políticos locais aliados dos militares; de linhas de crédito para qualquer cidadão comprar um aparelho de tevê sem juros. Até um concorrente poderoso – a TV Excelsior, cujo proprietário apoiava abertamente o presidente João Goulart, deposto pelas Forças Armadas – passou a sofrer retaliações financeiras e fechou as portas.

Era a chuva de arroz perfeita: de um lado, os generais querendo uma rede de comunicação que atingisse o país inteiro e ajudasse a livrá-lo da “ameaça comunista” (também conhecida como “todo pensamento que estimulasse desejo de justiça social”); de outro, um grupo empresarial disposto a fazer os acordos que fossem necessários para alcançar o topo da cadeia alimentar.

Qualquer semelhança com as tenebrosas alianças entre agentes públicos e privados flagradas recentemente não é mera coincidência.

Então cuidado quando ouvir por aí que aquele sujeito na capa da Época Negócios se deu bem na vida só porque se esforçou mais do que você; ou que a solução para uma crise política como a atual não passa por eleições diretas e, portanto, pela participação popular: a carne no espeto – prestes a ser devorada – pode ser a sua.

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