domingo, 16 de abril de 2017

Invisíveis

Recentemente, assisti a uma reportagem do Jornal Nacional sobre como “a preocupação com a segurança está mexendo com os hábitos e pesando no bolso dos brasileiros”. Até aí nada de mais, a não ser o fato de um simpatizante da Aliança Rebelde como eu ainda dar audiência (mesmo que eventualmente) ao noticiário oficial do Império Galático.

Sabe o ditado popular que diz “os amigos a gente mantém perto; os inimigos, mais ainda”? Então. Mais ou menos por aí.

Mas vamos à matéria, que continuo ruminando semanas depois de ter ido ao ar: os repórteres percorreram a cidade de São Paulo (só as ruas de arranha-céus espelhados, é bom frisar) e entrevistaram um corretor e uma corretora de seguros, além de um consultor financeiro – todos brancos. Os três já haviam sido vítimas da violência urbana: o corretor teve roubados objetos que estavam dentro de seu carro; a corretora, por sua vez, foi surpreendida por um sujeito com um caco de vidro quando dirigia seu carro; já o consultor, ao estacionar (adivinhem) seu carro, foi abordado por um motociclista e acabou com uma arma apontada para a cabeça. Observação sobre o último entrevistado: ele chegou a dizer que estava à procura de um modelo blindado; lamentou, porém, que fosse 30, 40% mais caro que o normal.

Se você leu essa descrição atentamente e não entendeu o motivo de tanta ruminação, precisa já rever seus conceitos.

Como pode uma reportagem sobre violência no Brasil não percorrer periferias, subúrbios, favelas, se é nesses espaços que acontece a maioria dos homicídios dolosos ou por balas (nem sempre) perdidas? Como pode uma reportagem sobre violência no Brasil não entrevistar quem mora nesses lugares (a população mais pobre e vulnerável)? Como pode uma reportagem sobre violência no Brasil não visitar o Nordeste, região onde se registra a maior taxa de mortes violentas para cada cem mil habitantes? Como pode uma reportagem sobre violência no Brasil não ouvir jovens negros, cujas chances de serem assassinados são 147% maiores do que de jovens de outros grupos étnicos? Como pode uma reportagem sobre violência no Brasil não escutar policiais – que, se por um lado são os que mais matam no mundo, por outro estão entre os que mais morrem?

Como pode uma reportagem sobre violência no Brasil ignorar o próprio Brasil?

Aos neurônios mais desatentos, a matéria passa a ideia de que só as pessoas brancas, só a classe média, só os donos de automóvel sentem medo e são vítimas da violência em nosso país. Mas será que o Amarildo, a Claudia, o DG, a Maria Eduarda e tantos outros também não sentiram medo antes de serem desaparecidos, arrastados ou alvejados pelas probabilidades? Será que essa gente – que não tem o perfil dos entrevistados padrão-Globo-de-qualidade – não merece a empatia de quem está diante da tevê? Não merece uma vida blindada contra a incerteza de voltar para casa?

E-mails (e zaps e torpedos e cartas e sinais de fumaça) para a redação chefiada por William Bonner.

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