domingo, 24 de julho de 2016

Quem você vai chamar?

Agora não é mais uma mulher que berra ao topar com um fantasma. É um homem que berra – e se borra – ao fazer contato com uma criatura do outro mundo.

Traduzido no país do ministério só-de-machos como Caça-fantasmas (embora o original contasse com o artigo masculino), o novo Ghostbusters não inverte os sinais apenas em sua sequência inicial; ao apostar num quarteto feminino para envergar as célebres mochilas de prótons, vai ao além, digo, vai além – e se estabelece como uma obra sensível a um tema relevante de sua época: a igualdade de gênero.

Reconheço ter ficado ligeiramente decepcionado com o reboot, quando soube que Bill Murray, Dan Aykroyd e Ernie Hudson não reprisariam seus papéis como Peter Venkman, Raymond Stantz e Winston Zeddmore, respectivamente. No entanto, após vê-lo, entendi a decisão: a presença deles interpretando os antigos personagens acabaria forçando os roteiristas a tratá-los como mentores ou inspiração das garotas.

E tudo que AS caça-fantasmas não quer é cair no clichê das mocinhas que, na hora do pesadelo, precisam de uns marmanjos para ajudá-las.

Uma das qualidades do longa dirigido por Paul Feig é justamente incorporar as reações histéricas daqueles seres que, ao descobrirem que a versão nova seria protagonizada por quatro mulheres, passaram a fazer a linda blair e revirar os próprios pescoços. Vide a cena em que Erin (Kristen Wiig) lê comentários sobre um vídeo no Youtube e um deles diz que “vadia nenhuma vai caçar fantasmas”.

Mas o filme não se restringe ao exorcismo dessas almas penadas – que ainda não fizeram a passagem para um plano superior na escala de evolução.

Entre suas virtudes, está o timing cômico do elenco. Kristen Wiig, Melissa McCarthy e Chris Hemsworth são tão precisos, que até piadinhas bobas como a que menciona o bichinho de estimação de Kevin (Hemsworth) arrancam risadas. Igualmente expressiva, Leslie Jones se destaca mesmo nas menores falas: “Ok, sala cheia de pesadelos...”, sussurra Patty com seus botões ao dar de cara com um monte de manequins.

Uma das atrizes, porém, assombra as expectativas. É Kate McKinnon. As passagens em que Holtzmann dança “Rhythm of the night” ou quebra uma guitarra ou se diverte experimentando (e assustando de) chapéu e peruca são só algumas em meio a tantas nas quais ela surge possuída pelo demônio da insanidade – o que me lembrou a performance arriscada mas bem-sucedida de Johnny Depp como Jack Sparrow, o pirata em cujas veias corria rum.

Eu adoraria me espantar com (muitas) aparições de McKinnon na próxima temporada de prêmios.

Tão divertidas quanto as manifestações de sua personagem são as referências aos Ghostbusters originais. Estão lá a eterna canção de Ray Parker Jr. – que baixa em vários momentos –, o famoso logo – que a montagem reverentemente esconde até os últimos segundos da cena que envolve um jovem grafiteiro – e outras citações menos óbvias, como Erin afirmando que “livros não podem voar e bebês também não”.

Já as meninas podem, se quiserem; podem voar para longe daquela encruzilhada onde só lhes restava ser princesas e esperar um príncipe para alcançar a felicidade. Num filme como As caça-fantasmas, mulheres não são mais receptáculo de velhos estereótipos, nem chamam ninguém: são ELAS as chamadas. Contando totalmente umas com as outras, pegam as chaves de seu Ecto 1 e vão à luta.

E ai do espírito (de porco) que ousar impedi-las.

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