domingo, 18 de outubro de 2015

Ficções e facções

Rompi com a novela do João Emanuel Carneiro. Sério. Desde que Romero Rômulo (Alexandre Nero) e Zé Maria (Tony Ramos) se encontraram à luz de um dia ensolarado – bem em frente à fundação do ex-vereador – e ainda trocaram um aperto de mão, perdi o encanto pela Regra do jogo. E nem adianta a Alcione cantar que o amor será eterno novamente. Sem chance, Marrom.

O poeta já dizia: a diferença entre a verdade e a mentira é que a primeira não precisa fazer sentido. Não por acaso, a regra principal de qualquer jogo de ficção é a verossimilhança. Também conhecida como coerência (ou lógica) interna, a “vero” é o temperinho que permite ao espectador engolir a história que lhe é contada sem se engasgar com os fatos narrados – sem duvidar que estes realmente possam acontecer, uma vez que eles respeitam as leis do universo proposto pelo autor.

Pois essa regrita foi triturada em mais pedaços que aquele xadrez da abertura, quando os dois chapas de facção promoveram o tal tête-à-tête a céu aberto. Em que mundo um sujeito como o Romero – que vive da imagem de bom moço, de defensor dos direitos humanos, de criador de uma instituição que reabilita ex-presidiários – arriscaria a própria reputação só para levar cinco dedos de prosa com um foragido da polícia acusado de participar de uma célebre chacina?

Ou: que organização criminosa tão poderosa é essa (à qual a dupla pertence) que autoriza um encontro, ou melhor, um furo desses – maior que o provocado pelos fuzis que ela trafica?

Alguém dirá: ah! isso é novela, novela é assim mesmo. Ao que este aqui retrucará: não, amigo, não é assim mesmo. Justamente por ser novela, por ser faz de conta, a conta tem que fechar muito direitinho. Não pode haver fração que escape à contabilidade do verossímil. Sob pena de o espectador minimamente atento não acreditar mais na trama e desistir dela. Como ocorreu comigo.

Já basta que da novela da vida real a gente não possa desistir tão facilmente. Não tem controle-remoto para isso.

Vejam o caso de certo senador tucano e de certo deputado peemedebista (presidente da Câmara até o fechamento desta edição). Um e outro são filiados a siglas que, em tese, ocupam espaços antagônicos. A primeira é oposição ao governo; a segunda, situação. Só que ambas invariavelmente votam a favor das mesmas coisas: doação de empresas para campanhas eleitorais, flexibilização de leis trabalhistas, diminuição da maioridade penal – entre outros temas dignos de protagonizar qualquer bom (?) folhetim.

De que evidência maior alguns espectadores precisam para perceber que – a despeito de aparentarem estar em lados opostos – os dois personagens pertencem à mesma facção? Àquela facção que defende os interesses das grandes corporações, do capital financeiro, do livre mercado, de tudo que há de mais conservador na sociedade?

Um aperto de mãos em horário nobre? Inverossímil é que isso ainda seja necessário.

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