domingo, 5 de julho de 2015

Ora (direis) ouvir asneiras

Ingenuidade minha achar que eu aguentaria ficar algumas semanas longe do meu palanquete e dos meus dezesseis leitores; que eu renunciaria ao desejo de escrevinhar uma ou duas palavras enquanto estivesse refugiado no Street View, programinha do Google Maps que permite a qualquer um flanar por Paris, Londres ou Nova York sem precisar de visto ou Visa.
                 
Como continuar passeando tranquila e virtualmente por Montmartre, se uma horda de parvos ocupa as ruas de verdade com paus, pedras e preconceito?

Espiem só o caso do Olavinho, figurinha repetida nos saraus mais vips da cidade. O rapaz não conseguiu ver os amigos pintando as próprias fuças com as cores do arco-íris – a fim de comemorarem a legalização do casamento gay nos Estados Unidos – sem espalhar por aí a foto de uma criança esquálida e desnutrida: quando a causa de vocês for o combate à fome, me chama que eu tô dentro.

Tá nada, bonitão. Vai me dizer que já se esqueceu daquele dia em que muitos compartilharam a notícia de que o Brasil – segundo uma tal Organização das Nações Unidas, vulgo ONU – tinha deixado o mapa mundial da fome e você simplesmente a esnobou? Pior. Ainda criticou a bolsa que o governo dava para os mais pobres: não pode dar o peixe, tem que ensinar a pescar.

Olha quem fala: um sujeito que sempre estudou em escola particular (desde o Pica-Pauzinho Azul), fez inglês, natação e jiu-jítsu, concluiu a faculdade de Administração em oito anos, emendou com o MBA – e jamais precisou trabalhar para pagar os estudos. Aliás, jamais precisou trabalhar. Recentemente é que um vereador-amigo-do-seu-pai arrumou um estágio para ele na Assembleia Legislativa.

Se pelo menos Olavinho abrisse a boca só nos anos bissextos. Mas não. Quase uma semana depois de a Casa Branca ter arco-irizado suas paredes, a galera que aderiu ao movimento nas redes sociais começou a descolorir seus perfis. Pa-ra-quê, minha nossa senhora das más línguas? Lá veio a criatura de novo: estão vendo? não falei que era modinha? se não era, por que não ficaram pintados pra sempre?

(Suspiro.)

Alguém avisa ao príncipe das marés ipanêmicas que não preciso vestir a camisa do Vasco dia sim, dia também – até o fim dos séculos – para mostrar que sou cruz-maltino? Que prefiro guardar o manto para os jogos mais decisivos, as vitórias mais emblemáticas, os momentos mais críticos?

É tanto piti contra toda e qualquer hashtag militante (sua última vítima foi a #reduçãonãoésolução, sobre a maioridade penal) que já desconfio de que o problema de Olavinho não é o movimento xis ou ípsilon – mas o movimento. Qualquer movimento. O cara não suporta ativismos. Não vê sentido nessas manifestações em favor de mulheres, negros, gays e famintos. Pudera: o que esperar de alguém que celebra o orgulho de ser homem, branco, hétero e ter tido sempre a barriga cheia?

Que acredita religiosamente que ativistas jamais mudaram o mundo? Que nunca ouviu falar em Harvey Milk e Rosa Parks? em Frei Betto e Zilda Arns? em Kailash Satyarthi e Malala Yousafzai? Google neles, crianças. E nem vou citar gigantes como Jesus, Joana d’Arc, Gandhi ou Martin Luther King – porque sei resistir a uma covardia desnecessária.

Só não sei resistir à piada que os inimigos mais próximos do vate têm contado por aí (e com a qual encerro este palavrório): a de que, calado, Olavinho é um Bilac.

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