domingo, 5 de abril de 2015

Minha casa, minha vida

Pareço saudável, mas estou irrecuperavelmente viciado num programinha do Discovery Home & Health: o Irmãos à obra. Apresentado pelos gêmeos Jonathan (meio empreiteiro, meio decorador) e Drew Scott (um corretor de imóveis), ele mostra os irmãos ajudando terráqueos como você e eu a encontrar sua casa dos sonhos.

Todo episódio começa com a mesma maldadezinha: a dupla leva os participantes da vez, geralmente um casal, para conhecer o paraíso. Uma humilde residência no bairro mais que desejado, com pé direito que arranha o céu, sala tamanho família – família à Mr. Catra, é bom sublinhar –, cozinha gourmet, quatro quartos, closet que é quase um quinto, banheiro com banheira, quintal que é praticamente o Central Park.

E um precinho que só cabe no orçamento do Donald Trump.

Daí a casa cai e levanta aquela poeira de frustração. Nada que os brothers não possam resolver. Não é possível comprar um cafofo pronto para morar? O (bom) negócio, então, é procurar um imóvel mais barato e reformá-lo; pegar aquele muquifo cheio de paredes e transformá-lo num espaço com menos divisórias, mais integração.

É o que Jonathan e Drew chamam de conceito aberto: a cozinha que abraça a sala de estar que abraça a mesa de jantar que abraça a varanda que abraça o jardim...

Fico imaginando como seria saudável – por permitir a entrada de mais luz e oxigênio – levar essa ideia além do nosso endereço e dar uma recauchutada em nós mesmos. Refazer nosso projeto de gente, redesenhar nossa planta baixa. Derrubar os muros entre a intenção e a ação, o virtual e o real, o pensado e o praticado, a saudade e o encontro.

Até entre o salgado e o doce, se não for pedir muito.

Por que não botar abaixo aquele paredão entre o azul-caribe na vitrine da Sonhotur e o mergulho na poupança de cada trocadinho? Entre a bike na garagem e a bike na rua? Entre as hashtags ecologicamente corretas e a coleta seletiva no seu condomínio? Entre o livro por anos e neurônios planejado e a primeira página? Entre a fotografia no porta-retratos e o selfie já, imediatamente, agoríssima, com os amigos?

Custa guardar umas moedinhas na caixa-forte e fingir que esqueceu a senha? Custa (não tanto quanto aquela Dolce Custo que compraste há um ano e não usaste até hoje). Cozinha a batata da perna pedalar na primeira semana? Cozinha, frita e ainda passa na chapa. Dá trabalho separar as cascas de laranja das latinhas de cerveja? Nenhum, se você largar a birita e beber mais água. É difícil achar as palavras certas? Um bocado – mas o garimpo vale ouro. Missão impossível reunir a galera? Não para o Tom Cruise que podemos ser. É só dispensar as desculpas: aqueles dublês que contratamos só para não encararmos os grandes e pequenos precipícios do dia a dia.

Conseguiu enfim juntar a turma toda na casa nova? Então aproveita a ocasião e contrata um bufê japa – quem sabe você não tira mais um tapume da sua vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário