domingo, 19 de outubro de 2014

Armação ilimitada

Façamos um breve exercício de ficção: se de repente a Globo resolvesse produzir um seriado levemente inspirado nas eleições presidenciais, certamente chamaria o Bruno Gagliasso para viver o Aécio e a Valéria do Zorra para interpretar a Dilma. Chamaria também a Fernanda Montenegro para uma participação especialíssima, no papel de Fernando Henrique Cardoso.

O Lula talvez acabasse nas mãos do Tom Cavalcante, que ressuscitaria seu célebre João Canabrava. Apareceria sempre no mesmo boteco suburbano-estilizado, tipo a pastelaria do Beiçola da Grande Família, rodeado de seus cumpanheiro de cachaça e biriba – devidamente uniformizados pelos figurinistas com camisetas do Curíntia e aquelas máscaras dos Irmãos Metralha.

Do outro lado do Projac, uma mansão paulistamente quatrocentona, já usada em alguma novela do Silvio de Abreu, serviria de cenário para os coadjuvantes alvos, héteros e de moral ilibada do heroíno tucano. Cumprindo a cota de atores negros no núcleo rico, a empregadinha Marina de Fátima, que não mediria esforços para engravidar do filho do patrão e diminuir a desigualdade social entre sua família e a dele.

A direção de arte se inspiraria em filmes-catástrofe e distópicos: pobres e mais pobres enchendo de iogurte os carrinhos nos supermercados; pobres e mais pobres invadindo os aeroportos para visitar familiares em Campina Grande e Caruaru; pobres e mais pobres (inclusive as primas de Marina) cursando as mesmas universidades dos sobrinhos da família Neves.

Um autêntico apocalipse classecê – hordas e mais hordas de novos consumidores.

Quanto à trilha sonora, não poderia soar mais óbvia: Tina Turner e seu clássico “The best” para cada olhar 45 do netinho de Tancredo; Rita Lee e sua venenosa “Erva” para cada como-eu-tô-bandida da atual presidente; Cazuza e sua panfletária “Brasil” para a abertura. Qual é o teu negócio? O nome do teu sócio? Não sei e não sei; só sei que ele pagou propina ao PT, revelaria um figurante sem se identificar.

Nos últimos episódios, para alavancar ainda mais a audiência, o tradicional quem-matou: a vítima, um famoso jornalista de oposição que, inadvertida e neoliberalmente, denunciou as sessões de degustação de caviar no pé-sujo frequentado por Luís Inácio e seus red caps. O corpo do sujeito seria encontrado ao lado de uma foice, um martelo e o Corão – o que tornaria Dona Rousseff a principal suspeita do homicídio.

Afinal, as provas achadas na cena do crime só reforçariam os boatos de que a anti-heroína teria estreitado relações com o Estado Islâmico para instaurar – em caso de vitória nas eleições – uma ditadura comunista-bolivariana-com-viés-árabe-kamikaze, cujas primeiras medidas seriam o fechamento imediato de todos os McDonald’s e o cancelamento sumário de todas as viagens com destino a Miami, Orlando e Nova York.

(Fonte segura acaba de me informar que essa sinopse existe e já recebeu a bênção de um dos cardeais da emissora: é Ibope garantido, teria dito o chefão. Sem margem de erro.)

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