domingo, 16 de março de 2014

Dias melhores virão

Lá pelas tantas de Elao filmaço de Spike Jonze que levou o Oscar de roteiro original, Theodore (Joaquin Phoenix) conta que às vezes tem a sensação de que já experimentou todos os sentimentos possíveis e nunca mais vai provar algo novo outra vez, a não ser versões “menores” – ou reedições mal-acabadas e desatualizadas, diria Brás Cubas – das emoções que ele sentiu um dia. 

A fala é bonita, poética – como cada fotograma do longa, aliás – e pode sugerir que o passado de Theo foi abarrotado de altas aventuras, daquelas impossíveis de ser superadas até pelo Seu Indiana. Ainda assim, ou por isso mesmo, achei-a extraordinariamente triste, em especial considerando que saíra do coração de um sujeito que aparentemente beirava os quarenta anos e, portanto, talvez não tivesse chegado nem à metade da vida.
 
Confesso que deixei o cinema aliviado – meus eletros ainda não deram sinais tão graves de melancolia.

Não sei se porque minha biografia foi até agora indigna de adaptação cinematográfica ou mesmo de um Globo repórter, e eu ache que o melhor está por vir; não sei se porque meus neurônios, débis e loides demais, continuam acreditando em pasárgadas, wonderlands e afins; não sei se porque meu sistema operacional, guardadas as (in)devidas proporções, funciona meio que à Samantha, o aplicativo por quem Theo se apaixona e cujo desejo de aprender – e amar – só aumenta com o tempo.

O fato é que enxergo – ou quero enxergar, o que é a mesma coisa – uma rua cheia de surpresas a cada esquina. Nem todas serão boas, mas aí a gente lembra o Roberto (“se chorei ou se sorri”) e vida que segue. Sinal verde para ela; para os planos de ainda saborear muitos e todos os anos, meses, dias, minutos, segundos que couberem no meu disco rígido, mesmo sabendo que a pele e outros gadgets não estarão tão rígidos assim quando eu apagar a centésima velinha. 

Ainda tenho que sobrevoar o Vale do Loire num balão; tirolesar sobre um lago em Gales; parar o trânsito da Abbey Road; “esquiar” (pode caprichar nas aspas) em Bariloche; caribear e mediterranear nem que seja na terceira classe; brincar de esconde-esconde num castelo que me assombre em francês ou inglês; renovar meus votos de fé nos extraterrestres em Machu Picchu; visitar a comunidade hobbit na Nova Zelândia.

Isso sem falar nas viagens metaeufóricas: degustar recheios novos de trufa a cada sobremesa; ver todos os filmes quatro e cinco estrelas segundo o Pablo Villaça; reunir familiares e amigos para um flash mob que recrie a cena de um musical (sugestões?); rabiscar a crônica dez mil; dançar com a Fernanda até a última canção nas nossas bodas de adamantium – cem ou duzentos anos de casamento?

O mundo é quase tão grande quanto essa lista. E está repleto de versões maiores que ele mesmo – reedições de luxo ou bolso; bilíngues, trilíngues ou polilíngues; com ou sem ilustrações; pré e posfaciadas; revistas, ampliadas e atualizadas do título ao ponto final. Não queremos que a melancolia vá além de um pezinho de página? Então devemos manter o livro-mundo aberto, folhear seus capítulos, dar um crtl-c-ctrl-v na lição de Samantha: deixar-se perder nos espaços entre as palavras.

Que eles são infinitos enquanto duram.

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