domingo, 8 de setembro de 2013

Com que roupa eu vou

De repente a mocinha morria. Bem no meio do casamento. Pra espanto dos convidados, pra tristeza dos amigos, pra alegria da malvada – que só estava de olho na herança e no noivo. Até aí nada demais: apenas mais uma cena cafona da novela, sublinhada, negritada e italicizada pela trilha sonora exibicionista e pelo overacting do elenco.

O demais veio depois, do outro lado, quando a criatura de cabelos ruivíssimos e esvoaçantes – a postos para o próximo merchan da Wella – acordou no céu, no purgatório, no limbo, na laje do inferno, sei lá, com aquele figurino branquinho, cheio de bordados, brilhos e rococós.

Pergunta que não quis fechar a boca: ela fez a passagem de véu e grinalda? vai correr dos espíritos de luz, vagar entre nuvens de cromaqui e horizontes de fotoxópi, assombrar os vivos e os telespectadores, curtir a eternidade inteirinha dentro daquele modelito casei-com-o-vestido-da-bisa?

Fiquei preocupado. Mesmo. Imagina se eu desencarno agorinha e apareço diante de São Pedro, nas portas do Paraíso, de pijama velho, meia furada e chinelo gasto. No mínimo, o santo vai achar desfeita. E se ele considerar pecado mortal então? Minha nossa: já estou até me vendo a caminho das masmorras celestiais escoltado por anjinhos do Esquadrão da Moda.

Melhor eu comprar uns ternos, umas gravatas e garantir um traje adequado pra ocasião. Quem sabe até um sobretudo. Vai que lá é frio – caso o meu não seja a praia particular do Coisa Ruim. Pelo sim, pelo não, talvez o mais indicado seja preparar uma bagagem de mão com short de banho e protetor solar. Afinal, não sei a quantas anda meu plano de milhagem com o Divino.

Juro: passei dias e dias pensando no melhor visu pra bater as botas... botas! Como pude esquecê-las? Vão já pra mala. Item de primeiríssima necessidade em caso de ira do Hômi, que nessas horas não poupa nuvens carregadas, dilúvio e inundação na periferia do Éden. Não seria a primeira vez (Noé que o diga).

Chuvas e trovoadas à parte, levei quase um mês refletindo sobre a matéria. Sério. Até a noite em que, sem uma piscadela de sono, liguei a tevê e esbarrei num filme meio experimental, toda pinta de vanguarda, no qual os mortos – as mortas, principalmente – perambulavam pelo Infinito como vieram ao mundo. Ou quase. Descontemos os silicones.

Daquela madrugada em diante, como que por milagre, relaxei com o guarda-roupa. Minha preocupação passou a ser outra: entrar o quanto antes numa academia, achar um personal dos bons e aprimorar a forma pro post-mortem – pra quando enfim chegasse a hora de me despir de vez do paletó de madeira.

5 comentários:

  1. gostei muito desse post com que roupa eu vou

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  2. Que texto ótimo :D É bom quando entramos num blog com boas coisas escritas

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  3. Me senti lendo Memórias Póstumas de Brás Cubas, a tempos não lia nada tão bem escrito e de humor tão gostoso.

    Parabéns pelo blog, continue assim!!

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  4. Já pensou morrer no banho? ir para o outro plano e ficar para sempre molhado? rsrs

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  5. Talvez essa seja a desvantagem de morrer dormindo, principalmente no verão.

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