domingo, 9 de junho de 2013

Dois papelotes de Clarice

Entreouvido por aí: preso pode ganhar redução de pena se ler um livro por mês. Terá até trinta dias para dar conta da obra – um clássico da literatura, das ciências ou da filosofia – e deverá apresentar uma resenha sobre ela. Uma comissão avaliará a veracidade do texto e fará uma arguição com o detento.

De cara – ainda amarrotada de sono – achei a iniciativa bonitinha. Fofa. Até inteligente. Combina menos ócio e mais educação, menos população carcerária e mais cultura. Sem contar que atualiza a máxima de Monteiro Lobato: a de que um país se faz com homens livres e livros.

Mas bastou uma água no rosto para eu acordar e vislumbrar o óbvio ululante: o surgimento de uma nova modalidade de crime no Brasil, algo tão sórdido, vil e maquiavélico que nem Conan Doyle, Agatha Christie e Allan Poe imaginaram – o tráfico de letras.

Quem acha que isso é delírio deste que vos cronica se trumbicou: há coisa de dois meses um sujeito foi flagrado negociando um resumo de Dom Casmurro com seus companheiros de cela. Em plena luz do dia. O camarada tentou disfarçar, veio com um papo oblíquo e dissimulado de que só estava promovendo um simpósio sobre a traição (ou não) de Capitu, mas não colou.

Uma semana atrás foram desenterrados do pátio de uma penitenciária em Cordisburgo (MG) quase dez quilos de apontamentos sobre Guimarães Rosa. A maior parte do carregamento tratava de Grande sertão, mas havia ainda trouxinhas de Sagarana, Primeiras estórias e até Tutameia. Há indícios de que os policiais da própria unidade facilitaram a entrada do material no presídio.

E, ontem, a gota d’água. Deu em tudo que é canal. Não se falava de outra coisa na Globo News: o pastor e deputado J. Pinto Fernandes – guia espiritual de onze entre dez meliantes – foi preso em Brasília tentando entrar numa cadeia com dezenas de poemas comentados do Drummond na cueca. E ele não estava sozinho; contava com o apoio de cinco obreiros de sua igreja. Vão todos responder por formação de quadrilha.

Resultado: já há um clamor popular pela abertura de uma CPI que investigue o comércio ilegal de sinopses, súmulas e afins nos xilindrós brasileiros. Tem até juiz do STF defendendo o aumento da pena de quem for surpreendido plagiando o texto alheio, além da prisão sumária, sem direito a fiança, dos cúmplices.

Em que mundo nós estamos. Quem diria que um dia a cola – ela mesma, a velha esticadinha de olho, o papelzinho com todas as respostas da prova, a pesquisa removida sem aspas da enciclopédia ou da internet – viraria coisa de máfia, caso de polícia e estaria prestes a se tornar crime hediondo previsto em lei.

Para alívio de muitos, não retroativa.

5 comentários:

  1. Puuts... de cara parece bonitinho mesmo, mas pensando bem... "what the f*ck is it?" - Cada vez mais, me surpreendo com este governo... lastimável..!

    ResponderExcluir
  2. Tem uma parte do texto que dar para fazer uma bela piada, o homem estava com os resumos de Carlos Drummond porque era os poemas eróticos e por isso ele resolvem quem saber dar uma visitinha aos presos e depois ir para o banheiro fazer quem saber alguma coisa lendo o poema. Porem é um absurdo isso, porem engraçando o homem andar com esses tipos de texto na cueca! É tá difícil educar esse Brasil! Agora é uma boa iniciativa esse negócio de livro, porem tudo o brasileiro inventa de burlar! Assim não dar né!!!!

    ResponderExcluir
  3. Belo post.
    É um absurdo tudo isto.
    Piadinha: O único livro realmente lido: A arte de cometer crime.

    ResponderExcluir
  4. Muito bom, eu mesmo sempre me pergunto "que pais é esse"

    ResponderExcluir