domingo, 19 de maio de 2013

Rieu é o melhor remédio

Já faz um tempinho, mas ainda assim o caso merece registro. Além do mais, eu não podia perder a oportunidade de usar esse trocadilho aí de título. Desperdício de ideia, mesmo as infames, é contra minha religião.

Estava eu na penúltima mordida de um sanduíche do Bob’s – um compensado de pão, dois hambúrgueres e queijo, não necessariamente nessa ordem, nem necessariamente em ordem – quando uma senhorinha de aparência centenária abocanhou o derradeiro pedaço de pizza. Dez minutos para o show.

Pontualmente britânico, embora holandês de nascimento, o maestro e violinista André Rieu subiu ao palco às 19 horas, zero minuto, zero segundo, acompanhado de sua orquestra, digamos, sui generis, vestida como que para um baile no Harmonia Gardens, o babilônico restaurante de Hello, Dolly!

Pois só às 19 horas, 11 minutos, 26 segundos a senhorinha alcançou seu assento, no degrau mais alto do andar mais alto do teatro, a poucos metros de mim. Rieu já estava na segunda ou terceira canção, na oitava ou nona piada, certamente na vigésima careta, e sua fã número um da última fileira ainda recuperava o fôlego da escalada.

Vieram os primeiros acordes de “Nessun dorma” (a famosa ária de Puccini), e Dona Felicidade – assim a batizei depois do espetáculo – pareceu se esquecer de respirar. Só chorava e sorria. Talvez de saudades da Itália, de algum Romeu deixado por lá ou da lembrança de uma novela antiga do Silvio de Abreu.

Ainda em meio aos aplausos, o maestro contou a história de um doente que teria se curado (ou aliviado suas dores, não lembro) graças à música. O sujeito levava para o hospital seus CDs e DVDs favoritos – de algum ilustre violinista? será? – e os escutava entre uma sessão e outra de quimioterapia.

Não sei se o relato é verdadeiro, nem se minha imaginação está inventando o que a memória apagou, mas o teor da conversa era esse. O fato é que não houve como não acreditar no poder medicinal de uma boa valsa quando a orquestra abriu as comportas e deixou o “Danúbio azul” passar. Efeito cocoon: todas as senhorinhas levantaram pra dançar; as viúvas cataram os funcionários do teatro ou o bípede mais próximo, o que estivesse à mão. Só não sobrou pra mim porque me refugiei entre Fernanda e mamãe.

Duas horas e tanto de show, Dona Felicidade continuava fazendo jus ao nome. Não sentou um segundo sequer (nem largou o “pão” que havia tirado pra Gene Kelly). Seu corpo frágil – notinha grave, grave dedilhada num piano desafinado – era o próprio bolero de Ravel: flauta e fumacinha à primeira vista, fanfarra e fogaréu no ato final.

A propósito, para o final – um pot-pourri com “Aquarela do Brasil”, “Tico-tico no fubá” e o clássico teloniano “Ai, se eu te pego” – ficou guardado o melhor: foi eu piscar os olhos e aquela senhorinha de aparência centenária surgiu na beira do palco, lá no gargarejo, jogando beijinhos para o ídolo enquanto acotovelava seguranças e possíveis rivais. Apoteótica.

Para tudo: como é que a danada chegou ali? por onde desceu que eu não vi? Não sei. Não tenho a menor ideia. Juro. Mas isso, cá entre nós, é o que menos importa. Aliás, importa nada. Acabei o concerto querendo saber como eu ia chegar aonde ela chegou.

E não estou falando em ficar tête-à-tête com o violino do André Rieu.

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