domingo, 29 de janeiro de 2012

Carioca da gema

Como todo dia, Zé pulou do colchão feliz da vida. Devorou o pãozinho de anteontem como se fosse de hoje, bebeu o café ralo e requentado num só gole, deu um beijo nos filhotes magrelos e remelentos − Leydi Dayanne e Jorge Uóshinton −, fez um carinho no vira-lata e guardou na bolsa surrada a marmita que Rosinha tinha preparado. Saiu para o trabalho.

O ônibus demorou. Demorou. Demorou tanto que ele resolveu esticar o esqueleto até a estação de trem. Lotado. Gente nas portas, nas janelas, no teto, feito sardinhas enlatadas a vácuo. Zé só venceu a muralha desumana e achou seu centímetro quadrado − sob o sovaco de uma senhora tamanho GG − usando sua delicadeza de papagaio manco. Ah, como a dona suava.

O coitado chegou ao trabalho encharcado e atrasado. Não dava para saber se mais encharcado ou atrasado. Levou uma dura do patrão e um tapinha nas costas do melhor amigo. Botou o saco no carrinho e foi à luta. O chefe mandou jogar o entulho no terraço, misturar a massa, colocar o piso, pintar a parede. Zé jogou, misturou, colocou, pintou. Pausa para a boia fria.

Depois do almoço, não houve nem dez minutos para descansar a carcaça. O cano estourou, e lá foi o Zé consertar. Olhos no vazamento, ouvidos no radinho. Jogo do América. Quebra de cá. Os Diabos sofrem o primeiro gol. Quebra de lá. O segundo. Quebra, quebra. O terceiro. Troca o PVC, a conexão. Troca o time inteiro. Sangue!

Zé dá o sangue em todas as coisas que faz. Por causa do atraso, decidiu estender o expediente. Os colegas deixaram o prédio às seis em ponto. Ele ficou. Adiantando o serviço e fazendo hora. A roda de samba era só às dez e tal. Esquindô, esquindô, estalou. Estalos. Segundos. Gritos. O homem correu para a geladeira vazia. O edifício veio abaixo.

Tragédia.

Sob escombros, poeira, sirenes, microfones, o Louro − assim era chamado pelos amigos − deu o ar da graça. Vivinho da silva. Inacreditavelmente inteiro. Entre mortos e feridos, salvou-se o Zé. Sal-vou-se-o-Zé. Os bombeiros retiraram o sujeito da improvável célula de segurança ofegante, sorridente e... apressado. Não podia perder a batucada.

6 comentários:

  1. Que massa esse texto!

    ***
    Escrevo pro: http://cafedefita.blogspot.com/
    (Patrícia Araújo - Colaboradora)

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  2. rsrs muito bacana seu texto!

    www.cuchila.blogspot.com

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  3. hahaha, gostei pacas. o Zé teve um dia tão horrível e sobreviveu a queda! Muito bom o texto mesmo. Sua criatividdae em usar um tema abordado para fazer um conto foi ótimo. PARABÉNS!
    http://pasmatorio.blogspot.com/

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  4. Muito bom! Gostei do texto! Um estilo casual, bom de ler! Parabéns pelo blog! Abraço!
    http://enricows.blogspot.com/

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  5. hahah mto bom o texto
    grande realidade

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