A cena aconteceu num shopping abarrotado – ou amarrotado? – de gente,
embrulhos, luzinhas e jungle bells. Que jingle bells o quê. O lugar era a selva.
Mal havia espaço nos cipós de pisca-piscas. Mal se via o chão coberto de azevinhos.
Mal se ouvia o canto dos canarinhos-de-petrópolis. Enfim.
O fato é que – contra todas as probabilidades – escutei uma conversa
entre duas senhorinhas, provavelmente amigas de muitos Natais passados, na qual
uma delas recordava o primeiro ano de casada, o primeiro dezembro, quando ela e
o marido compraram e montaram juntos a primeira árvore.
Tão bom enfeitá-la! iluminá-la! – lembrava com uma gotinha de saudade
nos olhos. No segundo ano, nós até a tiramos da caixa, mas praticamente na
véspera, no dia 22, 23. No terceiro, a preguiça nos venceu e, a partir daí, só
colocamos a guirlanda na porta. E olhe lá.
Anoiteci (como uma conhecida canção natalina). Quer dizer que bastaram
três anos para um pinheirinho com ares de árvore da Lagoa se transformar num
amontoado de galhos sem graça? Para aquelas bolas vermelhas, aqueles noéis
fofinhos, aquelas fitas douradas se tornarem apenas bolas, noéis, fitas?
Os sinos gemeram.
Seria a tal árvore uma espécie de metonímia da relação daquela mulher
com o marido, com o mundo, com a vida? Teria ela se desencantado com todo o
resto? Com o enésimo jantar a dois, o enésimo almoço em família, o enésimo
cinema de sábado, o enésimo churrasco de domingo, a enésima viagem pro litoral,
o enésimo livro na cabeceira, a enésima notícia no jornal, o enésimo alarme do
despertador?
Espero que não.
Ainda que os dias, os meses, os anos surjam como panetones recheados desses
e de tantos outros enésimos (aquelas frutinhas cristalizadas de rotina), tentemos
não nos deixar vencer pelo desencanto. Tentemos não nos contentar,
preguiçosamente, com a guirlanda na porta.
Todo ano, assim que acabar o Natal presente, comecemos a cultivar a
árvore do Natal futuro: pensemos cores diferentes, escolhamos badulaques novos,
procuremos lâmpadas com efeitos mais especiais; não demos chance para que
certos fantasmas escondam nosso pinheirinho numa caixa de papelão perdida no
alto do armário.
Bem antes da chegada da noite feliz, façamos questão de que ele esteja
pronto, abarrotado de embrulhos, luzinhas e – agora sim – jingle bells. Mas o
mais importante: abarrotado da gente. Da nossa vontade de enxergar em cada um
daqueles enésimos – dos mais divertidos aos mais entediantes, dos mais alegres
aos mais tristes – um motivo para celebrar a vida; para enfeitá-la e iluminá-la
todos os dias do ano, antes, durante e depois de cada 25 de dezembro.
Mesmo que de vez em quando ela nos amarrote um bocado.