domingo, 28 de outubro de 2012

Plantão do lixão

Deu até manchete: bastou passar uma semana catando latinha pra reciclagem, penteando a cabeleira do Picolé, tomando a sopa de entulho da Mãe Lucinda e, principalmente, vendo os primeiros capítulos de Salve Jorge para Carminha desistir do bom-mocismo e demais mixurucadas. A primeira-dama do Divino juntou os penúltimos trocados que arrancou dos Tufões, contratou o juiz Arnaldo César Lewandowski e tirou o pai da cadeia. Os últimos ficaram pro megahair.

Essa saiu no diário esportivo Olé, Mané: o incauto do Adauto virou garoto-propaganda de uma fábrica de chupetinhas, chocalhos e babadores. Só que ele nem desconfia de que os acessórios fazem parte da nova coleção de bonecas do Seu Santiago.

De alguma revista na bancada da Sônia Abrão: a Suelen resolveu tentar (mais uma vez...) a carreira de modelo e enviou umas fotos para a agência da famosa Lívia Marine. Mal sabe a periguete que vai acabar dançando kuduro e outros ritmos proibidos para menores numa boate em Istambul. (Cá entre nós, seria menos perigoso estrelar os filmes da Soninha Catatau... Enfim...)

Entreouvido no programa de rádio do Gentil Soares: enquanto Betânia e Begônia formaram uma dupla sertaneja e saíram em turnê por Madureira, Cascadura, Vaz Lobo e Irajá, a fofa da Zezé – após o estrondoso sucesso de “Eu quero ver tu me chamar de amendoim” – foi convidada por Rosário, Penha e Cida para ser a quarta Empreguete.

Páginas policiais: João Emanuel Carneiro foi encontrado em sua lancha congelado no cinza (mortinho da silva). Principal suspeito: Tony Ramos. Motivo: vingança. O ator não se conformou com a morte prematura de seu personagem (Genésio) na trama das nove e a consequente escalação em Guerra dos sexos, a anacronicamente inviável novela das sete.

Entrevista exclusiva no Jornal Nacional: Nina revelou a Patrícia Poeta que entrou num cursinho de informática e lá conheceu um aparelho chamado pendrive. Contou ainda que já aprendeu a inserir o delicado objeto no computador. “É um admirável mundo novo pra mim”, disse a chef de cuisine.

Uma última informação (juro! hi hi hi!): o Divino deixará de ser bairro e passará a município. A chapa “Tufão prefeito, Cadinho vice” lidera as pesquisas com folga. Mas a oposição ataca e denuncia possível nepotismo: Alexia, Noêmia e Verônica estariam pleiteando cargos, assessores e personal massagistas na futura prefeitura. Oi oi oi...

domingo, 21 de outubro de 2012

Feitiço do tempo

Ah, o Aparício.

Todo dia o pobre coitado chega em casa feito fugitivo  fugindo do trabalho que apenas tolera, do trânsito que engarrafa suas horas, do caixa eletrônico que entra em atualização justo na sua vez, da fila na farmácia que não anda, da vizinhança que reclama, das más notícias que o Bonner continua a ler, da mortadela que venceu há uma semana.

Do mundo que insiste em ser mundo.

Sorte dele que naquela quarta-feira seu controle remoto estava de ótimo humor e o levou até a Idade Média. Ah, a Idade Média. Não espanta que a uma vez chamada Idade das Trevas sirva de oásis na vidinha desértica de Aparício. Pelo menos aquela recriada em Áquila, onde o feitiço de um bispo impede o encontro entre Isabeau e Navarre.

Qualquer cinéfilo (e Aparício é um) conhece a lenda da bela mulher que é falcão enquanto há sol e do nobre cavaleiro que é lobo enquanto há lua. Dos amantes que, mesmo tão próximos, nunca se veem, jamais se tocam. Até o instante mágico em que um eclipse gera um dia sem noite, uma noite sem dia, e o casal pode finalmente derrotar o vilão, quebrando o encanto maldito.

(Para o leitor mais distraído, esquecido ou novinho, estou falando do clássico sessãodatardiano Ladyhawke – O feitiço de Áquila, longa de 1985 dirigido por Richard Donner e estrelado por Rutger Etienne Navarre Hauer, Michelle Isabeau d’Anjou Pfeiffer e Matthew Phillipe Gaston Broderick, vulgo Rato.)

Pois ironia das ironias: não é que duas horinhas naquelas florestas de névoa, naquelas montanhas de neve, naquelas fortalezas de pedra, naquelas masmorras de breu salvaram nosso amigo em fuga de mergulhar mais uma vez nas... trevas?

Pena que por pouco tempo. O tempo de um filme velho na tevê. De um feitiço que se desfaz quando os créditos sobem. De um eclipse que sai de cena antes de os corações serem felizes para sempre. De um sonho que irremediavelmente se transforma em pesadelo ao encarar os bispos nossos de cada dia.

De um Aparício que já acorda assustado por saber que, lá fora, o mundo insiste em ser mundo. E o caixa eletrônico continua atualizando.

domingo, 14 de outubro de 2012

Filme de festival

Mostras de cinema são um parque de diversões para quem quer dar um tempo nos cinemarks e kinoplexes da vida. Para quem quer descansar cabeça e coração de tanto super-herói salvando o mundo, de tanto bruxo salvando o mundo, de tanto vampiro e lobisomem salvando o mundo – de tanto efeito especial salvando o mundo.

Só é preciso ter estômago forte. E mente aberta. Escancarada. Para não passar mal ao tropeçar e cair numa sessão em que o prato principal é um longa que mistura Império Romano, banheiros japoneses ultramodernos, viagens no tempo e mangás. Tudo isso regado a uma trilha sonora que aposta na ópera e em temas épicos dignos de Ben-Hur.

Traduzindo: o filme narra a história do arquiteto romano Lucius Modestus, que de repente passa a fazer inúmeras viagens até o Japão dos dias de hoje, onde se inspira nos banheiros locais para construir termas cada vez mais sofisticadas em sua terra natal. O bonitão (invariavelmente nuzim com a mão no bolso) acaba chamando a atenção da jovem Mami, que acredita ter encontrado nele o herói de seu novo mangá.

Ah, o nome da pérola é Termas romanas. E o da ostra, digo, do diretor, Hideki Takeuchi.

O respeitável público, composto de criaturas quase tão exóticas quanto as que sassaricavam do outro lado da telona, ria loucamente de cada piadinha (involuntária) que o protagonista soltava toda vez que se via diante de um novo aparato dos avançadíssimos sanitários nipônicos. E por pouco não pôs o cinema abaixo quando ouviu o sujeito dar à sua fã uma razão para pensar que eles se veriam de novo: "Todos os caminhos levam a Roma".

Ge-ni-al. É o que devem ter achado a mocinha de óculos à Scorsese, o rapazola de penteado à Tim Burton e a tribo de figurino à Björk.

Já eu  achei divertido. Como divertida pode ser a tarde num parque de diversões. Só é preciso ter estômago forte para encarar as curvas inesperadas da montanha-russa e as esquinas escuras do trem-fantasma. Ou, no caso de um festival de cinema – cujo cardápio costuma ser variado , mente aberta, escancarada, para às vezes digerir um sushi com molho à bolonhesa.

domingo, 7 de outubro de 2012

O sofá de casa

Levei um enorme susto quando soube que a Hebe tinha morrido. No primeiríssimo instante, não acreditei. Não quis acreditar. Não pude acreditar. Gente como ela não morre. Bebe da fonte da juventude, vive pra sempre, tem o quê da eternidade  no máximo fica encantada, já bem dizia o sábio Guimarães Rosa. Ou é congelada para um dia ressuscitar linda de viver.

Mas que nada. A Hebe tinha morrido mesmo. A notícia estava em todos os canais, em todas as rádios, em todos os sites, em todas as manchetes. Estava no choro da senhorinha anônima, no depoimento do artista famoso, na explicação do médico, na homenagem dos amigos. Estava na imagem de arquivo. No silêncio do Roberto. No último selinho do Silvio.

Não era mais uma gracinha daquela pessoinha que bissextamente cantou a música popular, que entrevistou mil celebridades, que beijou outras mil, que cometeu gafes deliciosas, que reclamou do governo, que amou sua plateia, que viveu a vida sem a menor vergonha de ser feliz  que, de tão alegre, tão intensamente viva, gargalhava até em velório.

Cá entre nós, não me surpreenderia se ela fosse vista lá no céu, ao lado da amiga Nair Bello, se segurando para não rir de tanta pompa e circunstância em torno de sua morte.

Hebe ostentava felicidade. E, talvez por isso, provavelmente por isso, não surpreendeu ninguém quando encarou com sorriso e salto alto a doença que a vitimou. Quando enfrentou seus últimos quinze minutos sob os holofotes com o brilho das joias mais caras, com o luxo dos vestidos mais extravagantes, com o vermelho do batom mais forte.

Como disse, levei um enorme susto quando soube que a Hebe tinha morrido. No primeiríssimo instante, não acreditei. Não quis. Não pude. No segundo, entretanto, me dei conta do que havia acontecido. Nem precisei ligar a tevê, o rádio ou o computador. Bastou abrir a porta de casa e ver o sofá da sala  da sala de todo brasileiro – em silêncio.

Inacreditavelmente vazio.