O sujeito esqueceu a senha. A senha que usa há três anos. A
senha que usa todo mês. A senha que usa sem pensar. A senha que o dedo
indicador conhece de cor. A senha que os olhos estão cansados de ver. A senha
que o coração está cansado de ignorar. A senha que a memória está cansada de
guardar. É, a memória cansou. A senha? Cadê a senha?
A senha está na pasta dos números. O número da identidade.
Do CPF. Da carteira de trabalho. Da matrícula. Do passaporte. Da zona
eleitoral. Da zona. Da comida congelada. Da pizzaria. Do médico. Da assistência
técnica. Do bombeiro. Da polícia. Do Bope. Do FBI. Da Nasa. Da mamãe. Do papai.
Do irmão. Do cachorro. Do papagaio. Da sogra.
Da senha? Nada.
De tanto procurar e não encontrar, o sujeito caiu no sono.
E se estabacou no sonho. Chão duro, áspero, de pesadelo. Ele era o Willie
Coyote e a senha, o Papa-Léguas. Ele era a Dorothy sem uma estrada de tijolos
amarelos. Era o Jack Sparrow sem mapa nem bússola. Era João e Maria sem os
pedacinhos de pão. Era o Tio Patinhas sem o segredo da Caixa-Forte.
Era tantos, não era nenhum.
Acordou sem saber quem era. Sem saber o que era. Sem saber
o que procurava. Sem saber o que tanto procurava. Sem saber quando, onde, como,
por quê, para quê. Sem saber.
Muito tempo depois veio um furacão − que levou o
mundo inteiro e trouxe a senha de volta. A senha esquecida há anos. A senha que
ele usava sem pensar. Que o dedo indicador conhecia de cor. Que os olhos
estavam cansados de ver. Que o coração estava cansado de ignorar. Que a memória
estava cansada de guardar. É, a senha lembrou-se do sujeito.
Às vezes dá um branco e esquecemos da senha.
ResponderExcluirGostei muito do texto! Realmente é muito comum você saber a senha de cor e, de repente, esquecer! Já aconteceu comigo e tenho certeza que com muitos outros.
ResponderExcluirSimplismente genial! Muito muito muito bom! Ótimas palavras, texto em harmonia, parabéns!
ResponderExcluirEstou te seguindo, se der para retribuir :)
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E num dias desses ele descobriu que havia se tornado números e deixado de ser humano...
ResponderExcluirTexto lindo!!!
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Fábio, gosto do seu estilo de escrever...
ResponderExcluirLucyano Jorge
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