Não sei se o leitor já percebeu, mas de tempos em
tempos − graças
a um raro alinhamento de planetas talvez − surge
uma pesquisa ibópica que constata que o povo brasileiro é o mais feliz do
mundo; que o povo brasileiro é o mais otimista do Sistema Solar; que o povo
brasileiro é o mais contente da Via Láctea; que o povo brasileiro é o mais
alegre do universo.
Na última, entrevistaram o Joãozinho − que mora lá onde Judas perdeu as calças e sai de casa às
quatro da matina para pegar a Kombi piratona do Zeca Milícia, a maria-fumaça
superlotada (que enguiça todo santo dia na sexta estação do ramal de
Japeri) e o metrô-sauna de fabricação chinesa, administração carioca. Tudo isso
para chegar ao serviço apenas meia horinha atrasado, dois terços amassado, um
pisoteado.
Entrevistaram também a Mariazinha − abandonada pelo marido bebum, pelos filhotes traficantes,
pela filha de programa, pelos irmãos estelionatários, pela mãe
cafetina, pelo pai (desconhecido), mas assistida pelo Bolsa-quem-diria-Família,
pela igreja de Nossa Senhora do Dízimo Sagrado e pela
organização-não-governamental-que-só-funciona-com-verba-governamental
Brasileiras Unidas Não Desistem Nunca.
Por fim, entrevistaram o Juracy (ou a Juracy, não foi
possível identificar com precisão) − que tem gastado a sola e o
salto do sapato, comprado em duas míseras dúzias de prestações, na fila de um
hospital público para marcar a cirurgia de safena da mãe. (Dona Pequenina sofre
do coração desde que descobriu a paixão do filho [ou da filha] por silicone,
purpurina e Justin Bieber.)
O que os três simpáticos personagens têm em comum?
Trabalham felizes da vida num canteiro de obras onde será erguido o
maior elefante branco com bolinhas verdes e amarelas nunca antes visto na
história desta nação − o monumento-símbolo
da Copa de Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, a serem realizados no
Brasil-sil-sil.
"Mas por que Joãozinho, Mariazinha e Juracy têm o
sorriso tão aberto assim?", perguntaria um sujeito amargo como eu, que
certamente não foi entrevistado. Porque, segundo eles, apesar das dificuldades,
estão ganhando o salário mínimo e suado para construir um pedacinho do futuro
do país − salário que, se não dá para encher a geladeira velha nem o
armário caindo aos pedaços, ao menos garante o chopinho do fim de semana no bar
do Portuga.
Ah, bom. Agora entendi a razão de tanta felicidade.
Ironia perfeita para falar de um assunto tão sério e, de fato, incompreensível. Acabei de ver o ator Milton Gonçalves dizer na TV que "se fôssemos carrancudos, germânicos, o país já teria acabado". E acho que é mesmo verdade; se o povo não acreditasse que é feliz ganhando uma miséria e pegando o trem lotado, já estaríamos em guerra. Sendo otimistas, é provável que nada nunca vá mudar, mas também haverá sempre o carnaval e o goró depois do expediente...
ResponderExcluirEssas pesquisas só mostram o que convém: os Joãozinhos, as Mariazinhas e o(a)s Juracys felizes da vida com seu salário de fome e todas as mazelas sociais.
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluirE a grande massa feliz! haha, muito bom ;)
ResponderExcluirAdorei seu texto, num tom irônico e escrito super bem!
ResponderExcluirE realmente, se todas as pesquisas feitas sobre a felicidade se basearem nesse tipo de felicidade - apenas superficial, sem analisar a realidade e as dificuldades de cada um -, nunca deixaremos de ser o país mais feliz do mundo!
Parabéns pelo blog, estou seguindo!
Lindo blog. Adorei o texto...
ResponderExcluiro povo brasileiro tá longe de ser o mais feliz e otimista, a maioria nem pensa em um futuro
ResponderExcluirhttp://rocknrollpost.blogspot.com/
Acredito que a essência de nosso Povo é otimista e feliz, de verdade. Explico: vivemos (o Povo) levando, como você diz,"pontapés na bunda", sempre achando que as coisas vão mudar para melhor, apesar de os pontapés continuarem nos empurrando para a frente. Acho bom ser otimista e feliz mas também penso que devemos (o Povo) acordar e aproveitar o otimismo e a felicidade e até os pontapés que nos empurram para a frente e fazer algo de mais concreto e positivo para nós mesmos. Tudo tem limite.
ResponderExcluirOlá, gostei do blog e das postagens. Gostaria de lhe convidar para minha
ResponderExcluircorrente de divulgação afim de aumentar o seu tráfego no blog.
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Super abraço!
eu gosto do jeito irônico que vc escreve
ResponderExcluirfica muito legal,parabéns amigo
Não só pessoas bajulam outras com certas intenções, como também a mídia, principalmente a TV tem essa mania de bajular o povo brasileiro, para com isso exercer um certo controle sobre os telespectadores, os quais ficam com o ego inflado por estas bajulações. Ser humano procura controlar outro. A diferença é que a TV controla milhões usando a arma da bajulação.
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