Não era mais uma tarde de domingo na casa da Vó Marieta.
Não era mais um janeiro. Não era mais um verão. Não era mais um campeonato. Não
era mais uma partida. Era o dia em que eu conhecia um artista. O dia em que
meus olhos nasciam para o futebol. O dia em que nascia mais um torcedor. Um
torcedor de coração.
O artista não balançou a rede naquele jogo. Mas correu,
driblou, passou, fez falta, deu carrinho, suou a camisa. Vestiu a camisa. E não
a tirou mais.
Eu também não fiz gol. Jamais fiz. Mas gritei,
vibrei, cantei, xinguei, pulei, delirei, sonhei, chorei,
torci, tremi, sofri, discuti, explodi, aplaudi. Vesti a camisa. E não a
tirei mais.
O artista até vestiu outras camisas. Verdes, brancas,
vermelhas, roxas. Ainda que a primeira, a última, a única nunca tivesse deixado
seu peito. Nunca tivesse deixado nosso peito.
Com ela vencemos muitos zagueiros. Ignoramos tantos
goleiros. Atropelamos o maior rival num Maraca lotado de paixão. Acumulamos
gols. Golaços. Batemos recordes. Levantamos troféus. Colecionamos títulos.
Vivemos inúmeras alegrias.
Infinitamente maiores que a decepção por um pênalti
perdido. Por uma partida perdida. Por um campeonato perdido. Se perdemos o
pênalti, a partida, o campeonato, uma dividida que seja, perdemos juntos. O artista
e eu. E por isso continuamos nossa história. O sentimento não parou. Apenas
confirmou a tese de que não amamos (só) porque – mas apesar de.
E, apesar
de, o artista é − técnica, habilidade, velocidade, força,
explosão, raça, raiva, sangue, suor, som e fúria. É o instinto puro, selvagem.
É a faca só lâmina. A faca nos dentes. O Animal em
extinção. O craque. O gênio. O ídolo. O homem que – como
nós – de repente erra e acerta. O artista é enfim a sua torcida. É o seu
povo. É a sua gente.