Que
os empregados não se animem e os patrões não se desesperem: não vou socializar nenhuma
cartilha homicida a ser aplicada em diretores, gerentes e afins. Só quero falar
um pouquinho do filme de mesmo nome estrelado por Jane Fonda, Lily Tomlin e
Dolly Parton nos anos oitenta (Nine to
five, no original). É que eu o revi recentemente e ele se mostrou ainda
melhor do que a memória supunha.
Um
resumo para quem não conhece a história: cansadas de sofrer diariamente as
humilhações impostas pelo Sr. Hart (Dabney Coleman) – um chefe acostumado a
assediar funcionárias e usar suas boas ideias como se fossem dele –, Judy
(Fonda), Violet (Tomlin) e Doralee (Parton) se unem para derrubá-lo.
A
premissa simples apenas disfarça as horas extras que o desenvolvimento do
enredo deve ter exigido dos roteiristas Patricia Resnick e Colin Higgins (que
também dirige o longa). Ali cada fala, cada gag, cada cena aparentemente passível
de demissão por justa causa cumpre um papel fundamental na comédia de erros que
toma a vida das protagonistas. Não é à toa que Doralee, após a enésima cantada
do patrão, o adverte de que falsifica sua assinatura como ninguém. Não é por
acaso que a cadeira do cafa quase o derruba quando o vemos pela primeira vez. Não
é sem motivo que Violet mostra tamanha habilidade ao instalar um portão de
garagem automático.
Entre
tantas passagens hilárias (como a que envolve o roubo de um cadáver ou a que
reúne Judy, seu ex, um suposto amante, S&M e... M&Ms), talvez a que
mais se destaque seja a da happy hour, quando o trio dá umas tragadas antes de imaginar
maneiras de se livrar de Hart. Particularmente inspirados são o delírio country
de Doralee – em que o patife surge na condição de secretário assediado e
Coleman pode exercitar sua versatilidade – e a fantasia disneyana de Violet –
que conta com recursos de animação e uma princesa perversa para recuperar o
lado sombrio dos contos de fada.
Não
bastasse isso, a sequência revela elementos que serão retomados ao longo da
trama (os tiros, o chefe amarrado, o veneno de rato), o que rende um divertido
jogo de espelhos entre sonho e realidade.
Igualmente
divertido (e inteligente) é o uso das cores. Se nos minutos iniciais da projeção somos
apresentados a um ambiente de trabalho mergulhado no branco, no gelo, no cinza,
e supervisionado por uma criatura (Roz Keith) fardada com um tailleur
verde-oliva (o que sugere sua severidade militar), nos finais – após as mil
mudanças promovidas no setor, como creche para os filhos dos funcionários e
horário flexível – o mesmo espaço aparece imerso no amarelo, no laranja, no
vermelho, refletindo um clima menos frio e impessoal.
Ainda
as cores mais quentes: em sua primeira aparição, Violet desponta apenas com
detalhes vermelhos (batom, brincos e broche); já no último ato, exibe um
figurino inteiramente nesse tom (saia, camisa e sobretudo), como se ela própria
metonimizasse a atmosfera do lugar. Interessante notar que Judy e Doralee surgem
ao seu lado vestidas, respectivamente, de azul e branco – insinuando uma referência
aos ideais revolucionários de liberdade, igualdade e fraternidade. Evidência
disso é o fato de Roz, que acabara de voltar da França, exclamar um espantado
“Holy merde!” ao ver as três na sala de Hart celebrando a derrocada do biltre,
enquanto dividem um espumante.
Eu
ainda estenderia o brinde ao talento das atrizes. À insegurança que Fonda
confere a Judy: o sentimento vai se deteriorando à medida que a personagem se adapta
ao seu novo dia a dia, e o auge de seu amadurecimento se dá na cena em que ela
finalmente enquadra o ex (“Não me diga o que eu posso ou o que eu não posso
fazer”). À aparente ingenuidade que Parton concede a Doralee: a princípio, a
secretária finge não perceber as investidas do patrão porque precisa do emprego.
À sagacidade com que Tomlin pinta Violet: esse traço fica nítido na sequência em que ela se
equilibra entre a indignação e o deleite ao explicar para o dono da companhia as
transformações que ele acredita terem sido implantadas por Hart.
Nítido também é o preconceito do todo-poderoso
da firma, que decide vetar uma das principais novidades introduzidas na seção:
a política de igualdade salarial entre homens e mulheres. E dá desânimo constatar
que, mesmo trinta e tantos anos após o lançamento do filme, essa injustiça
ainda não foi inteiramente reparada e encontra defesa em certos magnatas do
machismo – que chegam a afirmar que mulher deve ganhar menos porque tem filho,
tira licença-maternidade e gera prejuízo para as empresas.
Pensando bem (no caso desses escroques), quem sabe a distribuição de uma
cartilha homicida a suas subordinadas não fosse uma ideia a ser considerada.
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