Era o jornal de domingo. Era a enésima notícia sobre a
pendenga entre legendados e dublados. De um lado da arena, a elite burguesa
metida a besta erudita a favor do som original. De outro, a emergente classecê
exigindo conteúdo em bom português. Na tribuna de honra, o antropólogo e
professor Everardo Rocha. (A PUC o pariu.)
Do alto de sua gávea lucidez, o Doutor decretava: "A
perda das legendas é o preço que vamos pagar por ter uma melhora na
distribuição de renda, mas deveríamos nos orgulhar disso".
Ô, como nos orgulhamos, Mestre. Afinal, nunca antes na
história deste país vimos tantos pobres assinando pacotes de tevê a cabo (ainda
que não assinem o próprio nome), trocando de celular pré-pago todo mês, andando
pra cima e pra baixo de Kombi pirata, botando silicone industrial, tomando
porre de cerveja importada. O Haiti, definitivamente, não é mais aqui.
Mas melhor que a distribuição de renda − só a
democratização da cultura. Que começou com a perda das legendas e continuará
com a atualização da obra completa de Guimarães Rosa para o português
contemporâneo falado no Alemão e na Rocinha. Com a tradução para o
figurativismo de toda a arte abstrata. Com o fim das palavras com mais de três
sílabas, das frases com mais de 140 caracteres, dos cérebros com mais de dois
neurônios.
Ah, dizem até que o próximo show de Sir Paul McCartney em
território nacional terá dublagem simultânea de Michel Teló.
De volta ao jornal. À pendenga entre legendados e dublados.
À arena. Ao fim da disputa, nosso Everardo Rocha levantava o polegar para a
classecê, mostrava a língua para a elite burguesa e ainda tripudiava dos que
insistiam em defender o tal som original: "Se aqueles que se incomodam com
a dublagem estivessem verdadeiramente preocupados com o eruditismo, teriam
lutado para ver Gladiador em
português. Nossa língua está muito mais próxima do latim do que o inglês".