Jovens
vão a uma igreja para ter suas canetas abençoadas antes do Enem (o Exame
Nacional do Ensino Médio). O fato é registrado numa entrada ao vivo no jornal
da hora do almoço, na emissora campeã de ibope no país. Uma ajudinha do céu
nunca é de mais, diz o apresentador. Bênção é sempre importante, completa a
repórter, que termina a matéria informando o horário das próximas missas do
dia.
A
mesma imprensa que critica um prefeito ou um deputado por misturar política e
religião mistura, sem o menor pudor, jornalismo e religião. Cinismo deveria ser
pecado.
Mais
tarde, no jornal da noite, líder de audiência há séculos, é exibida uma reportagem
com adolescentes acampados na fila do show de Justin Bieber, que só vai
acontecer (pasmem) em março do ano que vem – daqui a CINCO MESES. A repórter
surge dentro da barraca dos fãs e anuncia, toda pimpona, a razão de estarem
ali, no meio da rua, em plena madrugada. Explica que meninas e meninos se
revezam, cumprem uma escala. Eles têm que estudar, ela adverte, certamente receosa
da possibilidade de a notícia dar a impressão de que são irresponsáveis ou
desocupados. Diz ainda que, para fazer a hora passar mais rápido, a turma apela
para jogos (a câmera foca uma adedanha), troca ideias sobre o novo crush (a paixonite do momento) e canta
músicas do ídolo.
A
mesma imprensa que não tem tempo para ouvir os jovens acampados nas escolas tem
tempo para ouvir os jovens acampados na fila do show. Hashtag prioridades.
Agora
imagine que louco seria se o mesmo jornal da hora do almoço – que tantas vezes
nos fez sentir os piores da classe, diante daqueles japinhas fofos passando
pano no chão e servindo merenda nas “exemplares” escolas nipônicas – entrasse
ao vivo num desses colégios ocupados por “baderneiros” e flagrasse alunos
varrendo o pátio, lavando os banheiros, fazendo pequenos consertos, cozinhando
a própria refeição.
Que
doido seria se o mesmo jornal da noite – que tantas vezes entrevistou aquele
especialista em educação que é diretor-executivo de um banco (oi?) –
entrevistasse os voluntários que oferecem atividades extracurriculares (de
plantio de horta a oficinas de grafite e teatro) nas unidades ocupadas, entre
os quais professores que doam sua garganta não só para debater temas como
ditadura, racismo, feminismo e identidade de gênero, mas também para promover
aulões para vestibulandos.
Que
insano seria se o principal âncora do mesmo jornal da noite – que certa vez leu
em tom dramalhático uma transcrição de áudio da ex-primeira-dama mandando que os
vizinhos “enfiassem as panelas no...” – lesse com voz solene a nota na qual os alunos
do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, se comprometiam a não interferir no
Enem por prezarem o “direito de todos e todas as estudantes de realizarem o exame”.
Segunda
época já! para quem não aprova os secundaristas que cabulam a inércia do resto
da população e metem a caneta vermelha em retrocessos – como a reforma do ensino
médio via medida provisória e a PEC 241 (agora 55, no Senado), que congela
investimentos sociais por vinte anos. Segunda época já! para quem não aprova a
aluna paranaense que tem dado aula de consciência política a parlamentares Brasil
afora. Segunda época já! para quem não aprova o aluno-problema que, de repente,
tira dez em solidariedade ao ser o primeiro a se oferecer para limpar os
banheiros do colégio. Segunda época já! para quem não aprova os pais que, em
razão das ocupações, se (re)aproximaram da escola e ajudaram a ressignificar a
expressão “comunidade escolar”.
Não
posso deixar o sinal bater sem lembrar a sequência final do já clássico Sociedade dos poetas mortos, na qual o mestre
John Keating (Robin Williams) é homenageado por seus alunos. Só que aqui somos
nós – professores, pais, cidadãos lúcidos de todo o país – que subimos nas carteiras
em respeito e reverência a vocês, estudantes.
Obrigado! Melhorou muito o meu dia! Sandro Félix
ResponderExcluirSou eu quem agradece sua visita, Sandro. Bom saber que o texto melhorou seu dia. Volte sempre. :-)
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