Caiu
na minha mão o celular de Seu Fulano e eu não resisti: bisbilhotei mesmo o
WhatsApp. Como não uso o aplicativo – ainda que dez entre nove amigos insistam
que eu não sei o que estou perdendo –, bateu aquela vontade de saber o que faz
um ser humano abrir mão da sessão de cinema pela qual pagou ingresso (caro) para
ficar checando recados a cada meio segundo. No escuro.
A
mensagem mais recente trazia a “““notícia””” (um símbolo para aspas infinitas,
por favor) de que cientistas brasileiros tinham descoberto uma barata assassina.
Dona de veneno tão mortal quanto o do escorpião, a monstra não só era capaz de
matar um adulto com apenas uma picada, como já havia se espalhado por todo o país.
Pobres de nós: à mercê da dengue, da zika, do temer e, agora, de um serial
killer com anteninhas.
O
texto não tinha fonte, nem identificava os tais cientistas brasileiros. Mas o
que são reles indícios de fraude perto do horror causado por criatura tão
repugnante?
Só
uma fobia severa para explicar a paralisia cerebral diante de um fake desses. A
moluscofobia, por exemplo. Dessa moléstia, sofria uma das amigas de Seu Fulano.
Cinco ou seis links enviados por dia com A VERDADE sobre as propinas recebidas
por certo ex-presidente da República. Um deles continha uma foto do político tomando
sol numa praia da Bahia – prova cabal, segundo a tal amiga, de que a Odebrecht
(com sede em Salvador) reformara o Oceano Atlântico inteiro só para ele.
Dê
um desconto à moça: até o experiente Alexandre Garcia já caiu na rede. Recentemente,
o jornalista global se deixou levar pelo papo de um guia turístico (“O palácio
à minha esquerda pertence a Julio Iglesias, a chácara à direita foi comprada
pela Beyoncé”) e espalhou por aí, sem verificar a informação, que o mesmo ex-presidente
era proprietário de uma mansão em Punta del Este, no Uruguai; depois, ao ser
alertado sobre a natureza boática do furo, corrigiu-se.
Essa
moluscofobia ainda acaba com o Brasil. (Com o jornalismo, já acabou.)
Outra
mensagem que arrepiou meus neurônios mostrava um vídeo com óvnis sobrevoando
uns arranha-céus. O registro teria sido feito em Hong Kong. Um especialista em
ufos – de nome impronunciável e do qual não havia uma linha no Google –
alertava sobre o perigo iminente de uma invasão alienígena e recomendava que as
pessoas estocassem água e comida. Curioso é que outros coleguinhas tinham
compartilhado a mesma mensagem, com o mesmo vídeo e os mesmos arranha-céus. Só a
legenda variava: Nova York, Londres, Tóquio, Cidade do México...
Corri
até a despensa de Seu Fulano e fiquei bem preocupado com a quantidade de galões
d’água e alimentos não perecíveis armazenados. Detalhe: ele morava sozinho.
Corri
mais alguns contatos no aplicativo. Quase verti uma lágrima ao ver o cadáver de
fada encontrado numa cidadezinha inglesa (afinal, I do believe in fairies). Rolou uma vontade de provar a melancia
azul cultivada no Japão, ainda que eu tenha restrições ao sabor meio amargo do
Photoshop. Bem que eu queria acreditar no informe segundo o qual a eleição de
Trump não passava de uma infeliz campanha publicitária para divulgar um novo bronzeador,
e o milionário não assumiria de fato a presidência dos Estados Unidos. Por
pouco não levei fé, entretanto, na manchete que dizia que o Planalto cogitava
privatizar o ar nas grandes cidades e permitir a cobrança de tarifas – medida plausível
se vinda dos nossos atuais (des)governantes, ainda mais num momento de escassez
de oxigênio em tantas mentes.
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