domingo, 20 de novembro de 2016

WhatsApp

Caiu na minha mão o celular de Seu Fulano e eu não resisti: bisbilhotei mesmo o WhatsApp. Como não uso o aplicativo – ainda que dez entre nove amigos insistam que eu não sei o que estou perdendo –, bateu aquela vontade de saber o que faz um ser humano abrir mão da sessão de cinema pela qual pagou ingresso (caro) para ficar checando recados a cada meio segundo. No escuro.

A mensagem mais recente trazia a “““notícia””” (um símbolo para aspas infinitas, por favor) de que cientistas brasileiros tinham descoberto uma barata assassina. Dona de veneno tão mortal quanto o do escorpião, a monstra não só era capaz de matar um adulto com apenas uma picada, como já havia se espalhado por todo o país. Pobres de nós: à mercê da dengue, da zika, do temer e, agora, de um serial killer com anteninhas.

O texto não tinha fonte, nem identificava os tais cientistas brasileiros. Mas o que são reles indícios de fraude perto do horror causado por criatura tão repugnante?

Só uma fobia severa para explicar a paralisia cerebral diante de um fake desses. A moluscofobia, por exemplo. Dessa moléstia, sofria uma das amigas de Seu Fulano. Cinco ou seis links enviados por dia com A VERDADE sobre as propinas recebidas por certo ex-presidente da República. Um deles continha uma foto do político tomando sol numa praia da Bahia – prova cabal, segundo a tal amiga, de que a Odebrecht (com sede em Salvador) reformara o Oceano Atlântico inteiro só para ele.

Dê um desconto à moça: até o experiente Alexandre Garcia já caiu na rede. Recentemente, o jornalista global se deixou levar pelo papo de um guia turístico (“O palácio à minha esquerda pertence a Julio Iglesias, a chácara à direita foi comprada pela Beyoncé”) e espalhou por aí, sem verificar a informação, que o mesmo ex-presidente era proprietário de uma mansão em Punta del Este, no Uruguai; depois, ao ser alertado sobre a natureza boática do furo, corrigiu-se.

Essa moluscofobia ainda acaba com o Brasil. (Com o jornalismo, já acabou.)

Outra mensagem que arrepiou meus neurônios mostrava um vídeo com óvnis sobrevoando uns arranha-céus. O registro teria sido feito em Hong Kong. Um especialista em ufos – de nome impronunciável e do qual não havia uma linha no Google – alertava sobre o perigo iminente de uma invasão alienígena e recomendava que as pessoas estocassem água e comida. Curioso é que outros coleguinhas tinham compartilhado a mesma mensagem, com o mesmo vídeo e os mesmos arranha-céus. Só a legenda variava: Nova York, Londres, Tóquio, Cidade do México...

Corri até a despensa de Seu Fulano e fiquei bem preocupado com a quantidade de galões d’água e alimentos não perecíveis armazenados. Detalhe: ele morava sozinho.

Corri mais alguns contatos no aplicativo. Quase verti uma lágrima ao ver o cadáver de fada encontrado numa cidadezinha inglesa (afinal, I do believe in fairies). Rolou uma vontade de provar a melancia azul cultivada no Japão, ainda que eu tenha restrições ao sabor meio amargo do Photoshop. Bem que eu queria acreditar no informe segundo o qual a eleição de Trump não passava de uma infeliz campanha publicitária para divulgar um novo bronzeador, e o milionário não assumiria de fato a presidência dos Estados Unidos. Por pouco não levei fé, entretanto, na manchete que dizia que o Planalto cogitava privatizar o ar nas grandes cidades e permitir a cobrança de tarifas – medida plausível se vinda dos nossos atuais (des)governantes, ainda mais num momento de escassez de oxigênio em tantas mentes.

Celular de volta às mãos do dono, restou a certeza de que não era eu quem estava perdendo alguma coisa, como os amigos insistiam. Eram eles. A noção. Da realidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário