Faltou leite materno na dieta dos nossos ancestrais.
Só isso para explicar tanto marmanjo – e marmanja –
crente, crente de que saia justa e decote são convites para o estupro. Só isso
para explicar tanta milícia maior de idade incomodadinha com casais gays que trocam
bitocas em público. Só isso para explicar tanto tio e tanta vó saudosos de um
tempo em que racismo existia apenas na fazenda do Leôncio, e golpe era só o nome feio que se dava à Revolução.
Papais
e mamães: o Dia das Crianças está quase aí e é preciso tomar mil cuidados para
que os bebezuscos de hoje não se tornem os bolsonarinhos de amanhã.
É
por isso que peço aos senhores e às senhoras, en-ca-re-ci-da-men-te, que pensem
muito bem nos presentes que vão dar a seus filhotes na próxima quarta-feira.
Melhor ainda: pensem nos presentes que vocês têm dado a eles diariamente.
Porque a raça humana não merece conviver, daqui a duas ou três décadas, com
outra geração que faz de um Trump o seu John Lennon.
Uma
primeira dica? Nada de cair na tentação de botar um smartphone nas mãos de seu
recém-nascido e correr para o Netflix. O pimpolho mal chegou ao mundo; ele precisa
é de carinho, cheiro, cócegas – conexões que nem o mais poderoso wi-fi vai
proporcionar. Contato físico, já diziam até os manuais de chocadeira, ajuda a
estabelecer e fortalecer vínculos, além de contribuir para o desenvolvimento dos
neurônios.
Esses
que andam quase tão empoeirados quanto aqueles livros na estante.
Já
passou da hora de apresentar a seu rebento a Dona Benta, o Cebolinha, a Miss
Marple, o Harry, a Mafalda, o Frodo, a Alice, o Pan. Lembro até hoje de mâmi me
apresentando o Zezé – menino que conversava com um pé de laranja lima. Desde
então, sei que é possível escutar não só as pessoas, mas também as árvores, os
ventos, as chuvas, os travesseiros, as janelas, os abraços, as saudades, os
diferentes e as diferenças.
Falando
em diferentes e diferenças, que tal aproveitar o feriado e levar o pequeno
príncipe e a cinderelinha até aquela praça, aquela praia frequentada por
amiguitos que não moram no mesmo condomínio encantado? que não foram à Disney
dezesseis vezes? que nunca ouviram falar em aula de jazz e cheesecake de
morango? Sair da bolha oxigena os conceitos e asfixia os preconceitos.
Outro
ótimo passeio é a boa e velha loja de brinquedos. Mas nem pensar em levantar um
muro entre o corredor das bolas e o das bonecas, entre a seção dos carrinhos e
a das cozinhas. Ninguém aqui vai querer que a Nanda deixe de virar a nova Marta
ou o novo Senna – e o Fabinho, um pai-pra-toda-obra ou o novo Masterchef Brasil
– só porque alguém etiquetou os passatempos infantis.
Um
dos mais adequados a crianças de zero e cem anos – diz estudo – é a dança das
cadeiras. Não aquela em que eu continuava o balé mesmo após a música parar. Mas
aquela em que o guri se coloca no lugar da colega excluída pela turma porque é
gordinha; do vô que entra no busão e não encontra assento vazio; do garoto que
mora na rua e não tem nem uma cama para dormir; da professora que tenta falar,
perde a voz e ainda assim não é ouvida pelos alunos. O Ministério da Saúde adverte:
olhar com os olhos do outro reduz a incidência de cataratas.
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