Tenho
encontrado o sono às oito da noite e perdido o gajo às seis da manhã. Efeito
ainda das férias em Portugal, quatro horas à frente do Brasil.
É
a primeira vez que um fuso me pega desse jeito. E olha que já enfrentei piores.
Será a idade? A aproximação dos temidos entas? Ou uma sequela deixada pela
ingestão simultânea de pastéis de Belém e ovos moles d’Aveiro? Até considerei essas
hipóteses, mas logo as descartei ao desembarcar no Galeão e presenciar uma senhora
comemorando o impeachment da Dilma com um poeirento “fora, comunista”.
De
repente, a diferença entre o cá e o lá do Atlântico não eram mais aquelas quatro
horas. Eram quatro... décadas.
Que
uma nação que venera Fernando Pessoa – a ponto de estampá-lo em latas de
sardinha – é mais adiantada que a Via Láctea e arredores, todo mundo sabe.
Ainda assim, jamais imaginei que fôssemos capazes de nos distanciar tanto, e em
tão poucos meses, dos nossos irmãos lusos. (“Tanto mar” a nos separar, só na
canção homônima do Chico, que saudava a Revolução dos Cravos.)
Mal
pus os pés em solo brasileiro e dei de cara com uma passeata cujo slogan era
“Diretas já”. Havia ainda cartazes com os dizeres “contra o golpe” e “abaixo a
ditadura”. Bateu um medinho de ligar a tevê e ver o Bonner explicando que as
pessoas tinham tomado praças e avenidas país afora para comemorar a queda do
preço do tomate – daí tantos vestidos de vermelho.
Uma
das coisas mais divertidas que fiz na Pessoalândia foi o passeio de elétrico
pelas ruas de Lisboa – uma volta ao passado que, no entanto, não lembra nem de
longe a viagem em nosso vêeletê do tempo. Custou-me acreditar que o mais
recente filme estrelado por Sonia Braga (Aquarius)
quase estreou aqui com censura dezoito anos por causa de duas ou três cenas de saliência.
Baixou maresia anos setenta total.
Mas
boquiaberto mesmo eu fiquei ao ler nos jornais – li ou os meus olhos ainda
estariam lacrimejando vinho do Porto? – que velhas raposas de gravata pretendem
obrigar o povão a trabalhar mais horas por dia, por mais anos, com menos
direitos. As criaturas defendem um mantra segundo o qual “o negociado deve
valer sobre o legislado”. Oi? Eu ouvi falar em flexibilização da Lei Áurea?
Dias
e noites subindo e descendo a pé as ladeiras do Chiado. Dias e noites subindo e
descendo a pé as ladeiras da Ribeira. Uma conexão perdida em Madri. Uma
voltinha inteira da Terra ao redor de si mesma, até eu conseguir embarcar no
voo de dez horas que enfim me devolveria amarrotado – mas são e salvo – à vila
de São Sebastião.
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