Em
menos de uma semana, o estupro coletivo sofrido pela adolescente carioca já
tinha parado no canto inferior esquerdo – comprovadamente o de menor
visibilidade – da capa de um dos nossos principais jornais. Enquanto isso, o
terço superior da página era dominado pelo futebol, esporte que costuma alegrar
o domingo dos machos.
É
assim que as coisas funcionam hoje em dia: toda indignação tem seus quinze
segundos de fama (e olhe lá).
Não
por acaso Michel Temer chegou a dizer que, para ele, havia no país uma “onda de
violência” contra a mulher – onda essa que, segundo historiadores, existe desde
que Adão atirou o fruto proibido na cabeça de Eva e a levou desacordada, pelos
cabelos, até uma caverna. A rapidez tsunâmica com que crimes e escândalos são
descartados pela mídia talvez explique o lapso do presidente interino.
É
curioso que de outros lapsos a memória nacional não sofra. Quantos de nós não
sabem o significado da expressão “Maracanazo”, com seu emezão e zê espanhol?
Pergunte mesmo aos que nasceram bem depois de 1950 e muitos responderão que a
palavra é sinônimo de tragédia – uma tragédia que marcou a história não só de
uma seleção de futebol, mas também de uma nação inteira.
Quem
nunca ouviu falar da derrota de dois a um para o Uruguai na final da Copa,
diante de duzentas mil testemunhas no velho Mário Filho?
A
comoção gerada pelo inesperado vice-campeonato dentro de casa foi tão grande
(ou tornada tão grande), que inspiraria o dramaturgo Nelson Rodrigues a criar o
termo “complexo de vira-lata”: “a inferioridade em que o brasileiro – um
narciso às avessas – se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo”,
segundo o próprio escritor.
Não
é o caso de alimentarmos ainda mais esse sentimento – mesmo com um crime tão
bárbaro (quanto o que vitimou a jovem citada) a nos assombrar. Afinal, abusos
como esse acontecem não apenas em nossas favelas ou condomínios de luxo; acontecem
também em universidades americanas, cidades alemãs e ônibus indianos. A cultura
do estupro está disseminada nas mais diversas latitudes.
Mas
não seria o caso, sim, de transformarmos o episódio em trauma que atravessasse
gerações? Não seria o caso de cada pai, cada mãe contar essa história de terror
aos seus filhos para que eles contem aos filhos deles? Não seria o caso de as
escolas incluírem em seus currículos (mais) discussões sobre a violência contra
a mulher? Não seria o caso de a imprensa dar cada vez mais espaço para o tema?
Não
seria no mínimo educativo que, daqui a quarenta ou cinquenta anos, cada cidadão
brasileiro ainda guardasse na memória não a derrota numa partida de futebol –
não o sete-a-um de dois anos atrás, por exemplo, edição revista e ampliada do Maracanazo
–, mas aquela infame goleada de cinco, dez, vinte, trinta e três a... uma?
Nenhum comentário:
Postar um comentário