Quem
não se lembra do parlamentar chamando de “marco na depravação da sociedade” o
beijo entre dois homens numa novela? Quem não se lembra do pastor vociferando
contra um selinho entre duas mulheres – exibido pela emissora que, segundo ele,
contribuía assim para “a destruição de valores
morais fundamentais”?
Quem não se lembra
do pai que – ao dar ao filho umas panelinhas de brinquedo, com o intuito de
mostrar a ele que cozinhar é uma tarefa comum a homens e mulheres – foi xingado
de canalha nas redes sociais por ensinar o menino a “fazer coisas de menina”? Quem
não se lembra da cantora baiana incentivada a “arrumar um quarto” e acusada de “querer
ibope” ao se declarar gay?
Quem não se
lembra do garoto carioca espancado até a morte pelo pai – que o considerava
“afeminado” por gostar de lavar louça e brincar de dança do ventre? Quem não se
lembra do jovem paraibano que, após ser agredido
e ter o cabelo raspado, foi morto com tiros na nuca e no peito? Quem não se
lembra do rapaz asfixiado com uma sacola plástica e pedaços de papel colocados
à força em sua boca, nos arredores de Goiânia? Quem não se lembra da travesti assassinada
em São Paulo depois de ter sido jogada para fora de um veículo em movimento?
Alguém dirá: são
casos isolados. Não são. Aqui se registra um homossexual morto a cada (faço
questão de escrever por extenso) vinte e oito horas. Quase um por dia.
E essas
estatísticas tendem a piorar – salvo milagre que, obviamente, não há de se dar durante
os cultos conduzidos por malafaias e felicianos.
Digo isso porque
não acredito em dias melhores, menos homofóbicos, num país cujas escolas são
impedidas – por setores conservadores da sociedade e da classe política – de adotar material didático que trata de
questões de identidade e gênero (o chamado “kit gay”). Ou cujos governos cedem à
pressão de tais setores – que consideram qualquer debate sobre o tema um incentivo
à “promiscuidade” – e deixam de usar as salas de aula para combater a
ignorância e o preconceito.
Também
não acredito em dias melhores num país cujos atuais e temerários inquilinos do
poder – em pleno século 21 – extinguem justamente o ministério ligado aos
direitos humanos e planejam limitar os investimentos em educação (logo ela), desvinculando-os
dos percentuais mínimos garantidos em lei. A fixação de um teto para os gastos
na área certamente comprometerá não só a expansão e o desenvolvimento das redes de ensino
fundamental e médio, como ainda a criação de vagas nas universidades e,
consequentemente, a já precária qualidade de vida da população – em especial das
comunidades mais vulneráveis, entre as quais as minorias sexuais.
Nesse sentido,
caminhamos na contramão do que sugere um relatório recente das Nações Unidas
sobre a América Latina, que pede que os governos locais, mesmo em tempos de
recessão, não abortem as políticas referentes ao enfrentamento, por exemplo, da
violência de gênero – políticas essas que possibilitaram conquistas sociais e
econômicas a grupos historicamente relegados à marginalidade, como o LGBT.
Não bastasse
todo esse retrocesso, há ainda uma milícia de parlamentares em Brasília disposta
a derrubar o Estatuto do Desarmamento e liberar o porte de armas de fogo. É a
tal bancada da bala. Financiada por fabricantes de... armas, ela vem recrutando
cada vez mais seguidores com seu discurso bélico, segundo o qual todo cidadão
“de bem” – hétero, claro – deve ter o direito de andar armado para se defender.
Como
se vê, cidades como Orlando não são tão distantes quanto imaginamos. Quisera eu
dizer isso porque mais brasileiros têm realizado o sonho de conhecer a Disney.
Mas não. A boate Pulse, onde dezenas de pessoas foram assassinadas com um fuzil
cuja munição era a homofobia, podia estar em qualquer uma de nossas esquinas.
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