Podem
me botar no tronco que eu aceito as chibatadas: não tenho um disco de David
Bowie nem conheço sua obra a ponto de me declarar seu fã. Mas, de repente, o
que ia ser um tweet – ou no máximo um parágrafo no Face – lamentando sua morte
virou um texto maior. É que, ao passar o espanador nas minhas memórias,
descobri que o tal Camaleão fez mais parte delas do que eu imaginava.
A
primeira lembrança é paisagem de que a gente mal enxerga o contorno: a única
janela está fechada e o vidro embaçou com a tempestade. Restam pouquíssimos
flashes daquele sonho chamado Labirinto:
a magia do tempo, filme de 1986 (eu tinha seis anos) estrelado por um Bowie
rei dos duendes. Da história, quase nada ficou – mas não esqueço a sensação de
estar perdido num desenho de Escher, subindo e descendo escadas que levam e não
levam a castelos de areia.
Me
ocorreu agora: poucos artistas completam tão bem a expressão “estrelado por”. Culpa
do brilho e glamour da entidade Ziggy Stardust (um dos muitos Bowies) cantando
“Starman”. Vejam só a coincidência: o hit voltou recentemente ao meu mp3 graças
à trilha sonora do ótimo Perdido em Marte
– longa de Ridley Scott sobre um astronauta que, depois de um acidente, se
encontra ilhado no planeta vermelho. Que canção no universo seria mais adequada
para vestir a saga de um náufrago das estrelas?
Outros
dois dos meus filmes favoritos ever têm
a participação do homem que caiu na Terra e trouxe com ele sua música
sideral: Moulin Rouge e Dogville. É do outro mundo a sequência
em que Satine e Christian entoam o refrão de “Heroes” em meio àquela Paris
feérica de Baz Luhrmann. Do nosso mundo, infelizmente, são as imagens de uma América
nada feérica – fotografias da miséria nos Estados Unidos que Lars Von Trier emoldura,
nos créditos finais, com a toada alegre de “Young Americans”.
Não
importava o espaço: era sempre infinito se ocupado por Bowie. Podia estar quase
irreconhecível nos minutos em que irrompia como o inventor Nikola Tesla em O grande truque, filmaço de Christopher
Nolan sobre a rivalidade entre dois mágicos. Podia estar dividindo e somando um
clássico do pop – “Under pressure” – com ninguém menos que Freddie Mercury e
companhia.
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