Entreouvido
no elevador: nunca troco de canal. Trocar pra quê, se só vejo o jornal e a
novela? Eu também não. A tevê está sempre no quatro.
Direito
de cada um poupar o próprio controle-remoto. Mas não consigo entender quem tem
mais de cem canais à disposição e se contenta com um só. Não sabe o que está
perdendo: aquela receita de bolo caseiro com calda de frutas vermelhas; aquela
viagem de trem pelo interior da Europa; aquele documentário sobre John Lennon;
aquela entrevista com a Martha Medeiros; aquela série dos zumbis; aquele
filmaço com a Julie Delpy; aquele show com Gil e Caetano.
Só
para ficar no pacote básico da minha tevê a cabo.
Agora
um off no lado de lá da telinha e um power no lado de cá – que conta com uma
grade mil vezes mais variada do que qualquer emissora. Já notaram que é cada
vez maior o número de criaturas como aquelas duas no elevador, impermeáveis a
qualquer programinha que escape às mesmices de todos os dias?
Não
é à toa que esses tipos, ao toparem com uma Simone de Beauvoir nos vestibulares
da vida, esbugalhem os olhos como se encarassem um alien fazendo topless.
Surreal
a gente habitar um mundo onde a cada segundo novas estações são sintonizadas, onde
informação e opinião jorram das mais diversas mídias, onde a alta definição
populariza cores que nem imaginávamos existir – e ainda assim aqueles marmanjos
arregalem as vísceras por causa de um simples outubro rosa; ou porque um ator
negro empunha um sabre de luz no trailer do mais recente Guerra nas estrelas.
Jedi
bom é jedi branco, sentenciam os discípulos do Império – e que sith a pluralidade.
Quem
sabe a oferta de tantos canais específicos (como o que só fala de ursos-polares
veganos no Alasca ou o que só exibe casos de noivas suicidas em Acapulco) esteja
guetizando as mentes e tornando-as menos afeitas à diversidade. Penso naquele indivíduo
que passa madrugadas diante do Bloomberg e, de repente, é sequestrado pelos
amigos para uma tarde no Maraca: em vez de gritar o nome do craque do time, o
elemento faz versinho para o CEO do clube.
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