domingo, 22 de novembro de 2015

Às armas, cidadãos?

Não consultei a lista da Billboard, mas aposto que a Marselhesa esteve entre as mais pedidas da semana. O hino francês bombou – sem trocadilho macabro – nos últimos dias. Gente à beça tirou o biquinho do armário para bradar seus famosos versos: “Aux armes, citoyens,/ Formez vos bataillons,/ Marchons, marchons!” (“Às armas, cidadãos,/ Formai vossos batalhões,/ Marchemos, marchemos!”).

Até aí nada de mais. Aqueles acordes bélicos mexem com o Robespierre que existe em cada um de nós.

Para quem guilhotinou essa aula de História, Rob foi um personagem importante da Revolução Francesa. Líder dos jacobinos – facção política radical que representava a pequena burguesia contra a monarquia absolutista –, ajudou a implantar o regime do terror, responsável por decapitar nobres, clérigos e até militantes moderados, acusados de não defenderem a causa com o devido vigor.

De volta aos dias de hoje – em que o terror também não poupa cabeças –, esse mesmo espírito beligerante parece ter deixado os versos da Marselhesa para baixar em certos corpos e degolar seu bom senso. Os possuídos passaram a disparar por aí a certeza de que, se houvesse acesso irrestrito a armas de fogo na França, os próprios cidadãos poderiam ter se defendido dos atentados daquela trágica sexta-feira e, portanto, preservado algumas dezenas de vidas.

Fazendo de conta que eu estivesse igualmente oco do pescoço para cima, quem sabe não comprasse essa e outras certezas: a certeza de que todas as pessoas que foram ao Bataclan teriam saído de casa para assistir a um show armadas; a certeza de que seus revólveres seriam páreo para os rifles dos terroristas; a certeza, enfim, de que mais tiros sendo disparados num lugar fechado, apertado e escuro salvariam mais vidas.

A certeza – aqui retrucam os descabeçados – de que os extremistas pensariam duas vezes antes de atacar. Porque as armas asseguram a paz; elas dissuadem.

Como assim as armas asseguram a paz? Como assim elas dissuadem? Um Google rápido e a gente descobre o quanto: conforme aponta o Institute for Economics and Peace, ações de grupos como a Al-Qaeda e o Estado Islâmico cresceram consideravelmente desde o início da chamada guerra ao terror – que se seguiu ao colapso das Torres Gêmeas, em 2001. Hoje há cinco vezes mais mortes por ataques terroristas do que naquela época. Em 14 anos, foram registrados 48 mil atentados em 123 países, com 107 mil vítimas fatais.

Enquanto isso, estimativas do Bureau of Investigative Journalism mostram que, a cada tentativa de executar um líder terrorista, os drones norte-americanos matam pelo menos 28 civis inocentes. Nos últimos dez anos, verificou-se essa proporção no Afeganistão, no Iêmen, no Paquistão e na Somália – países que, infelizmente, não têm uma Torre Eiffel para pintar com as cores da liberdade, da igualdade e da fraternidade, nem um mundo inteiro para chorar seus mortos.

Eu poderia terminar este texto com a lucidez de Noam Chomsky, renomado pensador segundo o qual “um modo fácil de combater o terrorismo é parar de participar dele”. Ou mesmo com os versos surrados de um hit pacifista, contraponto óbvio mas necessário ao hino francês. Só que não. Vou preferir a simplicidade de quatro palavritas com as quais encerrei a discussão real que deu origem a estas linhas.

As armas dissuadem. Ahã.

2 comentários:

  1. Concordo plenamente com o Chomsky, mas ainda não formei opinião abalizada quanto ao uso de armas.
    O argumento de que o uso de armas aumenta a criminalidade e a violência é absolutamente insustentável. A única coisa que diminui é o número de acidentes com armas, mas isso se inclui em acidentes com automóveis, motocicletas e panelas com água fervente.
    O argumento de que o indivíduo armado “obriga” o assaltante a matá-lo, pois ele não está habilitado para o uso da arma, também não se sustenta. Primeiro, porque habilitar-se pode até ser uma exigência legal para o uso da arma; segundo, porque atualmente os assaltantes estão matando gratuitamente, devido ao uso de drogas que “viram a cabeça” do próprio.
    O argumento de que no Bataclan o uso de armas não faria diferença também é insustentável. Primeiro, que isso é uma hipótese “se”; segundo, que poderia ter feito diferença para alguns (o que já é muito); terceiro porque os terroristas não teriam tido tanta facilidade em passear no local procurando vítimas indefesas para matá-las.

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    1. Não é verdade que o desarmamento apenas diminui o número de acidentes; e os crimes passionais? as brigas de trânsito? os desentendimentos entre vizinhos? Basta que uma das partes porte um revólver para que as chances de um ferimento mais sério (ou mesmo a morte) aumentem. Você diz ainda que "o argumento de que no Bataclan o uso de armas não faria diferença também é insustentável" porque "é uma hipótese 'se'". Da mesma forma, afirmar que o uso das armas faria diferença também é um "se", o que, seguindo sua lógica de argumentação, faria dessa hipótese algo igualmente "insustentável". Insustentável, a meu ver, é o fato de as grandes potências continuarem fomentando a indústria armamentista e a indústria armamentista continuar financiando as grandes potências. Um círculo vicioso que só tende a alimentar guerras no mundo inteiro.

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