Imagine
a cena: um pai apaixonado por cinema e pelos Beatles decide mostrar ao filho de
quinze anos Os reis do iê, iê, iê (A hard day’s night, de Richard Lester). Crente,
crente que ele vai adorar a banda e o filme. Que nada. O guri acha tudo
horrível e chega a blasfemar que John Lennon era o pior de todos. Eu deserdava.
Sorte
de Jesse que seu pai se chama David. Inconformado com a situação, o sujeito
revira seus CDs até encontrar “It’s only love”, do álbum Rubber soul. Põe a música para tocar na esperança de que o filho
ouça o que ele ouve. “Eles têm boa voz”, o garoto admite. Boa voz? “Mas o que
você sentiu ouvindo a música?”, o pai quer saber. “Honestamente? Nada. Sinto
muito”, responde o moleque – que ainda tem a pachorra de deitar a mão no ombro
do daddy como se o consolasse.
É
com sequências como essa, aparentemente banais, que David Gilmour reconstrói um
pouco da história real entre ele e seu filho ao escrever O clube do filme (Intrínseca, 2009). Diante do total desinteresse
do rebento pela escola, o pai – sem trabalho fixo, com dinheiro curto e tempo ocioso
– faz a ele uma proposta fora do comum e, por isso mesmo, arriscada: você pode
largar os estudos, desde que assista semanalmente a três filmes escolhidos por mim.
Negócio fechado.
Entremeando
as desventuras dos dois, que vão amadurecendo juntos, e comentários sobre
filmes diversos – do hilário Quanto mais
quente melhor, de Billy Wilder, ao afetadíssimo Showgirls, de Paul Verhoeven, passando por Encurralado, discreta mas preciosa estreia de um jovem cineasta
chamado Steven Spielberg –, Gilmour rabisca suas linhas com a simplicidade de
quem prepara uma bacia de pipoca antes daquela sessão no sofá.
Exibe
ainda os bastidores da própria trajetória – a de um ex-apresentador de tevê
cinquentão com dificuldades de arranjar trabalho (“Não consigo arrumar uma
porra de emprego nem como entregador”) – e do cinema – como o fato de o diretor
Clint Eastwood jamais dizer “Ação!”, mas um elegante “Quando estiverem prontos”.
Sem
lançar mão de efeitos especiais, reviravoltas a cada dez minutos ou
malabarismos estilísticos, O clube do
filme não só registra o relacionamento entre pai e filho com uma fotografia
despojada – livre de filtros –, como ainda cativa o leitor com um zoom
irresistivelmente agridoce nas chamadas pequenas coisas da vida.
(Arrisco
dizer que dava um filmaço do Linklater, cineasta capaz de transformar qualquer conversa
– ou retalhos de – em pura poesia cinematográfica. Vide o que ele fez em Boyhood, ao acompanhar a infância e a
juventude comuníssimas do menino Mason, ou em Antes da meia-noite, ao seduzir o espectador com um casal que acaba
trocando uma noite de amor por uma DR das boas. Sem contar que o longa renderia
uma baita homenagem à sétima arte.
Alô,
Hollywood: como assim ainda não convidaram o Ethan Hawke para o papel do papai
cinéfilo?)
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