Ingenuidade
minha achar que eu aguentaria ficar algumas semanas longe do meu palanquete e
dos meus dezesseis leitores; que eu renunciaria ao desejo de escrevinhar uma ou
duas palavras enquanto estivesse refugiado no Street View, programinha do
Google Maps que permite a qualquer um flanar por Paris, Londres ou Nova York
sem precisar de visto ou Visa.
Como
continuar passeando tranquila e virtualmente por Montmartre, se uma horda de parvos
ocupa as ruas de verdade com paus, pedras e preconceito?
Espiem
só o caso do Olavinho, figurinha repetida nos saraus mais vips da cidade. O
rapaz não conseguiu ver os amigos pintando as próprias fuças com as cores do
arco-íris – a fim de comemorarem a legalização do casamento gay nos Estados Unidos
– sem espalhar por aí a foto de uma criança esquálida e desnutrida: quando a
causa de vocês for o combate à fome, me chama que eu tô dentro.
Tá
nada, bonitão. Vai me dizer que já se esqueceu daquele dia em que muitos
compartilharam a notícia de que o Brasil – segundo uma tal Organização das
Nações Unidas, vulgo ONU – tinha deixado o mapa mundial da fome e você simplesmente
a esnobou? Pior. Ainda criticou a bolsa que o governo dava para os mais pobres:
não pode dar o peixe, tem que ensinar a pescar.
Olha
quem fala: um sujeito que sempre estudou em escola particular (desde o
Pica-Pauzinho Azul), fez inglês, natação e jiu-jítsu, concluiu a faculdade de Administração
em oito anos, emendou com o MBA – e jamais precisou trabalhar para pagar os
estudos. Aliás, jamais precisou trabalhar. Recentemente é que um vereador-amigo-do-seu-pai
arrumou um estágio para ele na Assembleia Legislativa.
Se
pelo menos Olavinho abrisse a boca só nos anos bissextos. Mas não. Quase uma
semana depois de a Casa Branca ter arco-irizado suas paredes, a galera que
aderiu ao movimento nas redes sociais começou a descolorir seus perfis. Pa-ra-quê,
minha nossa senhora das más línguas? Lá veio a criatura de novo: estão vendo?
não falei que era modinha? se não era, por que não ficaram pintados pra sempre?
(Suspiro.)
Alguém
avisa ao príncipe das marés ipanêmicas que não preciso vestir a camisa do Vasco
dia sim, dia também – até o fim dos séculos – para mostrar que sou
cruz-maltino? Que prefiro guardar o manto para os jogos mais decisivos, as
vitórias mais emblemáticas, os momentos mais críticos?
É
tanto piti contra toda e qualquer hashtag militante (sua última vítima foi a
#reduçãonãoésolução, sobre a maioridade penal) que já desconfio de que o
problema de Olavinho não é o movimento xis ou ípsilon – mas o movimento. Qualquer movimento. O cara
não suporta ativismos. Não vê sentido nessas manifestações em favor de
mulheres, negros, gays e famintos. Pudera: o que esperar de alguém que celebra
o orgulho de ser homem, branco, hétero e ter tido sempre a barriga cheia?
Que
acredita religiosamente que ativistas jamais mudaram o mundo? Que nunca ouviu
falar em Harvey Milk e Rosa Parks? em Frei Betto e Zilda Arns? em Kailash Satyarthi e Malala Yousafzai? Google neles, crianças.
E nem vou citar gigantes como Jesus, Joana d’Arc, Gandhi ou Martin
Luther King – porque sei resistir a uma covardia desnecessária.
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