Considerando
seriamente a possibilidade de pegar um empréstimo e comprar uma passagem só de
ida para Plutão. É que aquele coração balançou minhas asas. Fiquei tão comovido
com a mensagem dos plutonianos, que até o frio de menos duzentos já não as congela
mais. Que é um inverninho ligeiramente rigoroso perto de um contato imediato
com seres capazes de rabiscar tamanha gentileza?
(Para
quem vive em outro mundo e não faz a menor ideia do que estou falando: na
última terça-feira, uma sonda espacial – a New Horizons – se aproximou do minúsculo
planeta como nunca antes na história desta galáxia e registrou algumas imagens
dele, entre as quais a tal em que aparece sobre sua superfície um borrão muito
semelhante ao mais famoso dos músculos.)
A
Nasa não divulgou, mas o Wikileaks vazou: nossos vizinhos vêm tentando se
comunicar com a gente faz tempo. Ninguém sabe ao certo desde quando. Fontes
garantem, porém, que eles começaram a desenhar símbolos em plantações e piscar
luzes no céu há mais de dois mil anos – especificamente no dia em que resolvemos
crucificar um homem apenas porque ele pregava amor, tolerância e outros
comunismos.
Inconformados
com tanta miséria, violência, poluição e, em especial, com a cegueira humana
diante dessas tragédias, os plutonianos chegaram a enviar replicantes para cá,
a fim de estabelecerem um contato além do terceiro grau. Gutemberg teria sido
um deles. Na cabeça enorme dos ETs, vivia a esperança de que, após uma invenção
como a imprensa, a comunicação com (e entre) os terráqueos se tornaria mais
fácil.
Ingênuos.
Mal
sabiam os cinzentos que os principais jornais, revistas e canais de tevê serviriam
justamente para o contrário: embaçar ainda mais nossa visão. Está aí o exemplo
de inúmeros noticiários brasileiros, que têm tido o desplante de apontar a
política de austeridade e a redução da maioridade penal como soluções,
respectivamente, para a crise econômica e a violência no país.
Como
se os gregos não estivessem mais arruinados que o Parthenon mesmo depois de
anos e anos cortando gastos para pagar juros. Como se a insegurança não fosse
maior nas periferias das grandes cidades, onde jovens de dezesseis anos (menos
até) são executados regularmente por policiais e milicianos sem que madames e
madamos leiam uma nota sobre o tema nas colunas sociais ou nos livros para
colorir.
Ultimamente,
a comunidade plutoniana tem usado estratégias cada vez mais ousadas para
atravessar os poderosos campos de força reacionária e alertar os terrestres sobre
os perigos de se deixarem abduzir por quem só pensa em defender o próprio
lucro. A mais recente teria sido invadir o corpo de um importante líder mundial:
o papa Francisco. A prova disso seria seu discurso em terras bolivianas há duas
semanas, no qual ele criticou a “globalização da exclusão e da indiferença” e a
descreveu como “ditadura sutil”.
De
fato, quem viu o pontífice no palanque afirma que ele parecia tomado por uma
entidade. Eu só não imaginava que fosse uma entidade alienígena.
Verdade
ou ficção (científica), quero acreditar que aquele imenso coração seja um
sinal de que os plutonianos jamais vão desistir da humanidade. De que vão
continuar apostando seus sabres de luz em nossa espécie. De que vão insistir até
o finzinho dos tempos em seu exercício de empatia para com o Homo sapiens.
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