domingo, 19 de julho de 2015

Sinais

Considerando seriamente a possibilidade de pegar um empréstimo e comprar uma passagem só de ida para Plutão. É que aquele coração balançou minhas asas. Fiquei tão comovido com a mensagem dos plutonianos, que até o frio de menos duzentos já não as congela mais. Que é um inverninho ligeiramente rigoroso perto de um contato imediato com seres capazes de rabiscar tamanha gentileza?

(Para quem vive em outro mundo e não faz a menor ideia do que estou falando: na última terça-feira, uma sonda espacial – a New Horizons – se aproximou do minúsculo planeta como nunca antes na história desta galáxia e registrou algumas imagens dele, entre as quais a tal em que aparece sobre sua superfície um borrão muito semelhante ao mais famoso dos músculos.)

A Nasa não divulgou, mas o Wikileaks vazou: nossos vizinhos vêm tentando se comunicar com a gente faz tempo. Ninguém sabe ao certo desde quando. Fontes garantem, porém, que eles começaram a desenhar símbolos em plantações e piscar luzes no céu há mais de dois mil anos – especificamente no dia em que resolvemos crucificar um homem apenas porque ele pregava amor, tolerância e outros comunismos.

Inconformados com tanta miséria, violência, poluição e, em especial, com a cegueira humana diante dessas tragédias, os plutonianos chegaram a enviar replicantes para cá, a fim de estabelecerem um contato além do terceiro grau. Gutemberg teria sido um deles. Na cabeça enorme dos ETs, vivia a esperança de que, após uma invenção como a imprensa, a comunicação com (e entre) os terráqueos se tornaria mais fácil.

Ingênuos.

Mal sabiam os cinzentos que os principais jornais, revistas e canais de tevê serviriam justamente para o contrário: embaçar ainda mais nossa visão. Está aí o exemplo de inúmeros noticiários brasileiros, que têm tido o desplante de apontar a política de austeridade e a redução da maioridade penal como soluções, respectivamente, para a crise econômica e a violência no país.

Como se os gregos não estivessem mais arruinados que o Parthenon mesmo depois de anos e anos cortando gastos para pagar juros. Como se a insegurança não fosse maior nas periferias das grandes cidades, onde jovens de dezesseis anos (menos até) são executados regularmente por policiais e milicianos sem que madames e madamos leiam uma nota sobre o tema nas colunas sociais ou nos livros para colorir.

Ultimamente, a comunidade plutoniana tem usado estratégias cada vez mais ousadas para atravessar os poderosos campos de força reacionária e alertar os terrestres sobre os perigos de se deixarem abduzir por quem só pensa em defender o próprio lucro. A mais recente teria sido invadir o corpo de um importante líder mundial: o papa Francisco. A prova disso seria seu discurso em terras bolivianas há duas semanas, no qual ele criticou a “globalização da exclusão e da indiferença” e a descreveu como “ditadura sutil”.

De fato, quem viu o pontífice no palanque afirma que ele parecia tomado por uma entidade. Eu só não imaginava que fosse uma entidade alienígena.

Verdade ou ficção (científica), quero acreditar que aquele imenso coração seja um sinal de que os plutonianos jamais vão desistir da humanidade. De que vão continuar apostando seus sabres de luz em nossa espécie. De que vão insistir até o finzinho dos tempos em seu exercício de empatia para com o Homo sapiens.

Mesmo que às vezes não mereçamos tanto zelo e linchemos a evolução – como quando voltamos ao passado e transformamos postes em troncos.

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