Saí
do cinema após a sessão de Entre abelhas
com a certeza de que a situação vivida por Bruno (Fábio Porchat) – depois de se
separar da esposa, aos poucos ele passa a não ver mais quem está à sua volta – não é
exclusividade dele: as
pessoas estão deixando de enxergar as pessoas. Estão deixando de enxergar o
outro. À medida que esse mal avança, passam a enxergar apenas os seus iguais. Apenas
a si mesmas.
Não
por acaso um exercício de empatia, como o que propus na última semana, tenha
provocado tanto desconforto em certos leitores. É muito mais fácil – pelo menos
para aqueles cuja paisagem diária é a Lagoa Rodrigo de Freitas ou afins – olhar
pela janela do “podia ser eu” quando a vítima é o médico que podia ser seu pai,
seu vizinho, seu amigo; que podia ser, enfim, você mesmo.
Difícil,
compreensivelmente difícil, é olhar com as córneas (os cornos?) do outro; é se
colocar no lugar de um sujeito que vive noutro planeta, apesar de viver na mesma
cidade; um indigente que podia ser, com sorte megassênica, o porteiro do seu
prédio ou a caixa da padaria onde você compra seus amanteigados – aquelas criaturas
para as quais tantas vezes não sobra um bom-dia, muito menos um sorriso.
Há
quem diga por aí, do alto de sua miopia, que recuperar a história de um menino
capaz de matar por causa de uma bicicleta é defender bandido, é colaborar com a
impunidade. Não é. Resgatar tragédias – como a família desestruturada ou a ausência
do Estado – que podem levar a outras
tragédias não significa impedir ou não querer uma punição justa; significa tão
somente investigar as possíveis causas desses atos bárbaros.
Só
entendendo por que eles acontecem será viável combatê-los de fato.
Reduzir
a discussão a um mero desejo de vingança – tantas vezes confundida com justiça –,
ao caquético clichê do bem contra o mal – quantas vezes difundido por manchetes
sensacionalistas –, ao senso supercomum de que bandido já nasce pronto, de que
toda crueldade está nos genes ou (pior) na alma, não resolve a questão. Ao
contrário. Só contribui para que se perca mais uma oportunidade de enfrentá-la.
Continuar
achando que, por um golpe de azar, atravessamos um surto de psicopatia (o que
explicaria os casos diários de violência extrema) e tentar curá-lo apenas com os
analgésicos da repressão policial aprofundará ainda mais o abismo existente em
nossa sociedade; um abismo que, se tem seu prólogo no drama estrelado por Fábio
Porchat, pode ter seu desfecho noutro filme, de horizonte bem mais árido – o
novo Mad Max.
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