Sem
efeitos especiais, sem heróis e vilões, sem reviravoltas mirabolantes, apenas a
vida como ela é: um almoço em família, uma briga entre irmãos, uma tarde que
não passa, uma noite que poderia ter sido, um presente inesperado, uma viagem
inesquecível, um dia de muito trabalho, um papo sério, uma partida de boliche,
uma aula chata, um gramado macio, uma estrada pela frente.
Assim
é Boyhood, a história que Richard
Linklater levou doze anos filmando e que segue a infância e juventude do menino
Mason (Ellar Coltrane).
Raras vezes assisti a um filme cujo ritmo captasse tão bem o fluxo dos dias, das
semanas, dos meses, dos anos. Que fotografasse com tanta precisão o tempo como
a sucessão de agoras que ele é. Sem nunca soar episódico, atinge uma fluidez só
possível graças ao roteiro que escorre feito areia na ampulheta e à montagem
discreta, que em momento algum chama a atenção para si.
O
que também ajuda a jamais confundirmos as diferentes fases vividas pelos
personagens é o fato de acompanharmos seu envelhecimento real e as notícias que
afetam seu cotidiano, como a guerra do Iraque, as eleições para presidente nos
Estados Unidos, o lançamento de mais um Harry
Potter, o surgimento e o uso do Facebook.
Prova
talvez maior da maturidade do roteiro e da direção é que não há flashbacks, não
há narrações em off, não há personagens pensando em voz alta. O que tem de ser
dito se mostra na tela na medida certa, sem supérfluos que subestimem nossa
inteligência – não há necessidade de que se marrete uma ideia na cabeça da
plateia ou de que se esfregue um sentimento no coração do espectador.
Ou
alguém precisava desenhar que o apego do personagem de Ethan Hawke por
determinado carro era símbolo de um sujeito que teimava em não crescer?
Igualmente
digno de aplauso – pelo menos para quem sabe o quão difícil é traduzir a vida
sem confiná-la em moldes – é o cuidado de Linklater em não resvalar no melodrama.
E, convenhamos, não faltava material para isso, já que Olivia (Patricia
Arquette) se envolve frequentemente com homens que têm problemas com bebida.
Exemplo dessa contenção do roteiro é a cena de violência doméstica que não
testemunhamos: vemos apenas a mãe de Mason já caída na garagem, enquanto o
marido avisa ao garoto que ela havia sofrido um acidente.
Um
último mérito (ainda que não menos importante): os diálogos. Destaque para a
conversa sobre a existência ou não de magia no mundo, na qual Mason pergunta ao
pai (Hawke) se elfos e afins são invenções. “E se eu lhe contasse a história de
um ser gigante que vive nas profundezas do oceano, que canta e é tão grande que
seu coração é do tamanho de um carro? Acharia isso mágico, não?”, ele responde
entre rugas de dúvida e doçura.
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