domingo, 1 de fevereiro de 2015

Globelezo

Problema nenhum com a Valéria Valenssa da vez desfilando seu corpitcho seminu na tela da tevê – não necessariamente no meio desse povo – às nove e cinco da manhã, às duas e seis da tarde, às sete e doze da noite. É tanta propina siliconada sambando por aí sem a menor vergonha e em qualquer horário, que ninguém mais veste a burca dos incomodados por causa de dois peitinhos e um bumbum.

Só fico me perguntando se – num repique de censura livre – a diretoria da Unidos do Projac resolvesse promover a igualdade dos gêneros e eleger um mulato espadaúdo para acompanhar sua musa nos intervalos comerciais. Atenção para a fantasia e os adereços: glitter e nada mais da cabeça aos pés, passando inclusive (e em especial) pela comissão de frente.

Imagina o carnaval que isso ia dar: a ala dos progressistas comemorando o fim da discriminação; a dos regressistas criticando a política de cotas para negros na tevê; a dos fashionistas machões decretando que o que é feio é para se esconder; a das viúvas do general exigindo o retorno da moral, dos bons costumes e da folha de parreira; a dos jornalistas defendendo a liberdade de ereção, digo, de expressão.

O barracão ia pegar fogo.

Com receio de que alguém se queimasse de fato, talvez os carnavalescos da emissora recuassem sua bateria e cobrissem o cristo do rapaz, mais ou menos como Joãosinho Trinta fez um dia com o Redentor. Daí para que manifestantes e manifesteiros botassem o bloco na rua e ocupassem as avenidas do país inteiro, reivindicando o fim da volta da censura, seria um décimo.

Um décimo também para que os bate-bolas travestidos de polícia sentassem o chocalho nos foliões e ainda levassem o estandarte de ouro de conjunto e harmonia.

Melhor deixarmos as alegorias na dispersão: é provável que não estejamos prontos para assistir a um pau que não seja de selfie. Mal lidamos com o topless feminino nas praias, que – sai verão, entra verão – insiste em virar manchete em gê-uns e erressetes. Idealizem então um bottomless. E masculino. E em cadeia nacional. A verdade é que, apesar de uma ou outra nota dez em evolução, ainda atravessamos o samba quando o enredo é igualdade, igualdade, abre as asas sobre nós.

Falta sapucaí à beça até a apoteose humana. A batida surda de tabus e preconceitos há de ecoar, infelizmente, para muito além da quarta-feira de cinzas.

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