Foi
acabarem as eleições para o mantra se espalhar: o país está dividido. Entre
norte e sul, pobres e ricos, negros e brancos, homos e héteros, comunas e
milicos, progressistas e conservadores, canhotos e destros, jedis e siths, madrugas
e florindas, ivetes e claudinhas, flas e flus. Houve até quem dissesse que toda
essa polarização teria sido promovida – senão inventada – pelo partido que nos
governa faz mais de uma década.
Que
me perdoem os que defendem essa ideia: mas vocês já ouviram falar num aplicativo
moderníssimo chamado livro de História?
Basta abrir suas páginas para acessar os arquivos que mostram
o quanto temos sofrido com o vírus da divisão há aproximadamente cinco séculos.
Que tal um clique no capítulo senhores versus
escravos? Um passeio rápido pelas plantações de cana-de-açúcar de mil quinhentos
e senzala, especialmente se guiado por um gentil capitão do mato, revelará o
quão doce e bucólica era a vida no engenho.
Só que não.
Um só-que-não que continuou por vários capítulos, mesmo
depois da Lei Áurea. Ou as vejetes de plantão acham que os negros – enfim livres,
mas apenas no papel – deixaram as fazendas de seus donos rumo a algum condomínio
de luxo na Barra, a alguma mansão no Morumbi? (O pior é que acham; e ainda acreditam
que eles vão muito-bem-obrigado, principalmente por serem quase tratados como um membro da família.)
O que aconteceu, sobretudo nos últimos dez anos, graças a
programas de transferência de renda como o famigerado Bolsa Família, é que a
desigualdade entre os polos diminuiu: aquela maria que ficava encolhidamente
agradecida no seu quartinho passou a frequentar salões até há pouco tempo
exclusivos das madames e de sua prole, como as escolas, as universidades e –
ousadia máxima – os aeroportos.
E
é esse encontro inesperado em determinadas áreas VIPs da sociedade que tem
causado reações invariavelmente estúpidas de parte da população, inconformada
com a ascensão social alheia; população essa que – representada por certos
colunistas irresponsavelmente “polêmicos” – chegou a sugerir a separação do território
nacional em dois: um com o Sul, o Sudeste e o Centro-Oeste “esclarecidos”, “modernos”,
e outro com o Norte e o Nordeste “desinformados”, “retrógrados”.
Aí
eu pergunto: será mesmo que é o grupo político há doze anos no poder quem tem estimulado
essa luta de classes com ares de game
show? Ou hoje nossos preconceitos seculares estão apenas mais evidentes, o
que provoca essa sensação de eterno Grenal? O que eu sei é que, ao menor sinal
de preconceito (seja de classe, cor, gênero, região), à mais covarde faísca de
intolerância, as pessoas felizmente têm reagido como nunca antes na história
deste país – e isso acaba gerando um quadro de aparente mais-polarização.
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