Não
consigo imaginar a saga de Anderline, musa do novo romance de Dau Bastos – Mar Negro (Ponteio, 2014) –, sem ouvir ao fundo os versos vampirescos do maior sucesso de Vange Leonel, artivista falecida recentemente: “Eu saio da cidade/ Procuro só a escuridão/ A purificação na calada da noite/ Da noite preta”.
Isso
acontece não só porque Line, fruto de um ménage entre “tinta, papel e horror”,
prefere o breu da Transilvânia à luminosidade de Maceió, ou tem o hábito de sugar
remendos de vida que vão de um faxineiro equatoriano a um adolescente polonês –
mas principalmente porque ela é, a seu modo, também uma artivista.
Hors concours do Prêmio
Macabéa, “dilacerada entre a natureza de personagem e a aparência de gente”, a
desgraçada vai logo além; extrapola os limites de protagonista. Com a ajuda de
um ardiloso troca-tintas (vulgo Dau), veste a um só tempo o capuz do artista –
a ponto de cogitar publicar seus diários como se escritos por ela mesma – e a
capa do ativista – ao assumir o posto de representante máxima de todos os
trambolhos da humanidade.
Line
é uma black bloc; sua função é desacatar. Com seus coquetéis de pragmatismo e
ironia, com suas bombas caseiras feitas à base de “forra, farra e forró”, vandaliza
toda a dor de cotovelo de um amor não correspondido. (Cá entre nós, felizmente
não correspondido. Porque ninguém merece a parvoíce de um Apolo canalha,
canastra e irrecuperavelmente coxinha.)
Só
que tal dor de cotovelo não se restringe ao amor não correspondido; para gozo
do leitor – certamente seduzido pelo perfume de feromônio da mocreia –, ela
transborda para o mundo não correspondido, o planeta fast-food, o McMundo no
qual, segundo a própria personagente, “felizes são os que têm traços médios,
porque se beneficiam do posicionamento no bololô”.
Tentando
encontrar o seu bololô – ironicamente
o seu não lugar ao sol, o porto (seguro?)
onde o astro rei não a alcance e revele sua face Fera –, a Bela põe a mochila
na corcunda e viaja pelos porões da Europa (Cracóvia, Bucareste, Sófia...) rumo
a um destino com ares de sina para quem sabe que é gente e, especialmente,
literatura: a última página de um romance.
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