Não
sei exatamente como aconteceu. Foi tudo muito rápido. Estava a dois passos de
casa. Desviei os olhos pra mochila, ia pegar as chaves – quando me puxaram. Por
pouco não caí. Me agarraram. Um deles acertou minhas pernas com uma barra de
ferro. Eram três. Todos mascarados. Batmans, que eu me lembre. Me arrastaram
até o primeiro poste da rua e me amarraram com uma coleira.
De
repente passou uma moça. Era a vizinha. Entrou no condomínio correndo. Parecia
mais assustada que eu. Foi a última vez que torci meu pescoço por ela.
Agora
estou eu aqui entre nuvens tão escuras, que não consigo dizer se se trata do
céu ou do inferno. Talvez seja a antessala da eternidade, um cantinho decorado
por São Pedro pra gente mofar um tempo e tentar entender, pelo menos no meu
caso, por que virou defunto autor antes da hora. Logo eu – que ainda tinha duas
novelas, três séries e a Copa inteira pra acompanhar.
Teriam
me confundido com algum ladrão? Ou com o estuprador do bairro? Mas esse já
havia sido linchado até a morte na semana passada. Cheguei a me solidarizar com
as vítimas do bandido pelo Face. O sujeito merecia uma punição mais severa. Por
mim tinha sido julgado pelo STF antes de ser servido no jantar em Bangu II. Mas
estamos no Brasil. Quer dizer, eu não estou mais, o que não deixa de ser uma
vantagem post-mortem.
Por
que me escolheram pra Amarildo então? Será que descobriram que presenteei meu
sobrinho (que acabara de fazer a primeira comunhão) com os DVDs da Galinha Preta
Pintadinha? Que eu pretendia queimar numa fogueira todos os Alienistas da Patrícia Secco junto com
a própria? Que eu apoiava boicote irrestrito a filmes dublados? Que eu aprovava sem
reservas a criação da bolsa-Orlando, benefício a ser oferecido aos
incautos que ainda não tiveram o privilégio de abraçar o Mickey?
Pior:
será que atinaram que eu levava mais tempo pra escolher roupa do que muita
mulher por aí? Que não me importava de tomar café numa xícara enfeitada com
florzinhas coloridas? Que não era chegado em feijoada, cerveja e carnaval? Que
já tinha ido a show do Roberto Carlos e saído frustrado por não ter ganhado uma rosa
beijada por ele? Que preferia leite desnatado e requeijão light?
Peraí.
Para tudo. Será que me confundiram com comunista ou coisa que o valha? Seriam
meus assassinos do tipo que não só não sabe diferenciar cores além das
primárias, como ainda não tolera – e por isso mata – quem sabe? Pena não ter
tido a chance de mostrar a eles que minha camisa não era vermelha; estava mais
pro vinho.
São tempos difíceis de intolerância e justiça pelas próprias mãos. Vc foi apenas mais um, mais uma postagem no Face.
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