domingo, 25 de maio de 2014

Tragic Kingdom

Me espanta que algum terráqueo ainda se espante com o American way of businesso jeitinho americano de fazer da vida – e da morte – sempre um bom negócio. Tem causado polêmica, inclusive entre os sobrinhos do Sam, a inauguração do Museu da Memória em Nova York, erguido em homenagem às vítimas e aos heróis da tragédia que pôs abaixo não só o World Trade Center, como também – e talvez principalmente – o sentimento de invulnerabilidade dos Estados Unidos.

Mais do que o museu em si, onde se veem fotografias, maquetes e objetos pessoais de quem esteve no marco zero naquela manhã de setembro de 2001, e mais do que os 24 dólares cobrados na bilheteria (para muitos a entrada deveria ser gratuita ou ter um valor simbólico), o que indignou meio mundo ocidental foi o fato de haver no lugar um shop de souvenires vendendo, entre canecas, camisetas e chaveiros, até cãozinho de pelúcia uniformizado como os animais que ajudaram no resgate de corpos.

Uma fofurice de gosto explosivamente duvidoso – o que já rendeu ao local o apelido de “a pequena loja de horrores”.

A alcunha é até adequada. Mas a reação global me pareceu um overacting digno dos piores dramalhões hollywoodianos. Uma bomba atômica em copo d’água. Dessa vez, que o Capitão América não me escute e execute, os ianques não se superaram. Quando ouvi falar no projeto desse tal Museu da Memória, lá pelos idos de dois mil e george bush, imaginei que os imagineers da Grande Maçã fossem mais trekkies – e pirassem onde nenhum homem, mulher ou klingon jamais pirou.

Cadê o simulador 10-D para o público experimentar a sensação de se espatifar num dos edifícios mais altos do planeta? Cadê os fliperamas em que o jogador soma pontos ao desarmar explosivos, interceptar kamikazes e matar terroristas? Cadê os cast members vestidos de bombeiros ou – melhor ainda – de Torres Gêmeas, a postos para fotos com os visitantes? Cadê os deliciosos cookies, donuts e cupcakes decorados com os nomes das vítimas? Cadê os fogos de artifício nas cores vermelha, azul e branca para encerrar o dia no parque com os olhos cheios de glicose?

Que me perdoem os fãs de Obama e Michelle: mas não se fazem mais disneylândias como antigamente.

domingo, 18 de maio de 2014

Memórias póstumas de um pacato cidadão

Não sei exatamente como aconteceu. Foi tudo muito rápido. Estava a dois passos de casa. Desviei os olhos pra mochila, ia pegar as chaves – quando me puxaram. Por pouco não caí. Me agarraram. Um deles acertou minhas pernas com uma barra de ferro. Eram três. Todos mascarados. Batmans, que eu me lembre. Me arrastaram até o primeiro poste da rua e me amarraram com uma coleira.

De repente passou uma moça. Era a vizinha. Entrou no condomínio correndo. Parecia mais assustada que eu. Foi a última vez que torci meu pescoço por ela.

Agora estou eu aqui entre nuvens tão escuras, que não consigo dizer se se trata do céu ou do inferno. Talvez seja a antessala da eternidade, um cantinho decorado por São Pedro pra gente mofar um tempo e tentar entender, pelo menos no meu caso, por que virou defunto autor antes da hora. Logo eu – que ainda tinha duas novelas, três séries e a Copa inteira pra acompanhar.

Teriam me confundido com algum ladrão? Ou com o estuprador do bairro? Mas esse já havia sido linchado até a morte na semana passada. Cheguei a me solidarizar com as vítimas do bandido pelo Face. O sujeito merecia uma punição mais severa. Por mim tinha sido julgado pelo STF antes de ser servido no jantar em Bangu II. Mas estamos no Brasil. Quer dizer, eu não estou mais, o que não deixa de ser uma vantagem post-mortem.

Por que me escolheram pra Amarildo então? Será que descobriram que presenteei meu sobrinho (que acabara de fazer a primeira comunhão) com os DVDs da Galinha Preta Pintadinha? Que eu pretendia queimar numa fogueira todos os Alienistas da Patrícia Secco junto com a própria? Que eu apoiava boicote irrestrito a filmes dublados? Que eu aprovava sem reservas a criação da bolsa-Orlando, benefício a ser oferecido aos incautos que ainda não tiveram o privilégio de abraçar o Mickey?

Pior: será que atinaram que eu levava mais tempo pra escolher roupa do que muita mulher por aí? Que não me importava de tomar café numa xícara enfeitada com florzinhas coloridas? Que não era chegado em feijoada, cerveja e carnaval? Que já tinha ido a show do Roberto Carlos e saído frustrado por não ter ganhado uma rosa beijada por ele? Que preferia leite desnatado e requeijão light?

Peraí. Para tudo. Será que me confundiram com comunista ou coisa que o valha? Seriam meus assassinos do tipo que não só não sabe diferenciar cores além das primárias, como ainda não tolera – e por isso mata – quem sabe? Pena não ter tido a chance de mostrar a eles que minha camisa não era vermelha; estava mais pro vinho.

Em algum lugar do espectro entre o fúcsia e o grená.

domingo, 11 de maio de 2014

Mães

Hoje é o dia delas. De todas elas. Todas mesmo. Não estou falando apenas da criatura – tantas vezes santa – que te botou no mundo. Estou falando também do pai que trocou sua fralda, da vó que te levou e pegou na escola, do irmão mais velho que te ensinou a andar de bicicleta, da tia que te olhou enquanto seus pais não chegavam, do professor que chamou sua atenção quando você sentou a mão no coleguinha.

Cada uma dessas mães – ou pedacinhos de – merece agora e todos os segundos um beijo, um abraço, uma palavra, uma rosa, um muitíssimo obrigado. Jogo de panelas ou liquidificador, só se a pessoa em questão adorar cozinha a ponto de não perder uma receita da Ana Maria Braga; no entanto, ainda que seja esse o caso, por que então não presenteá-la com um almoço naquele restaurante carésimo? ou em casa mesmo – mas preparado da entrada à sobremesa por você?

Mães amam filhos aplicados.

E talvez esteja aí a melhor maneira de dizer a elas o quanto foram, são e sempre serão importantes para nós. Não percamos jamais a oportunidade de lhes mostrar que aprendemos a dobrar lençóis, especialmente os de elástico; que conseguimos descascar laranjas sem cometer dedicídios; que nunquíssima esquecemos o aniversário da vó, da tia e da dinda; que todo ano ajudamos o irmão caçula (e meio avoado) a fazer seu imposto de renda; que sabemos de cor os nomes dos professores do nosso filhote; que pesquisamos o melhor preço antes de encher o carrinho do supermercado; que não atrasamos uma conta sequer; que desligamos o celular quando entramos no cinema; que não saímos de casa sem casaco e guarda-chuva.

Que cuidamos de nós mesmos do jeito que ela cuidaria: coraçãomente.

A certeza de ter cumprido sua missão melhor do que qualquer James Bond, ainda que não contasse com babás da categoria de um M ou um Q; de ter plantado no mundo um pezinho de esperança, apesar da enxurrada de pragas agrotóxicas enviadas a todo instante por fibra ótica; de ter deixado para as próximas gerações um legado (este sim) padrão Fifa; de ter escrito enfim uma obra-mãe – porque prima é para os fracos – será o buquê de uma vida inteira.

Certamente o maior de todos.

domingo, 4 de maio de 2014

Somos todos macacas

Daquelas de auditório. Daquelas que não podem ver um Silvio Santos fazendo aviãozinho que já decolam os pompons e abrem o baú. Daquelas que não podem ouvir um Faustão berrando “ô, louco meu!” que já vestem a camisa de força. Daquelas que não podem imaginar um Gugu na sua casa que já naufragam na primeira banheira despidas até os neurônios.

Me lembro do Chacrinha perguntando se queríamos bacalhau. Hoje, numa blackblóquica manifestação de involucionismo, a gente se contenta com a banana do Neymar.

Já se sabe que a hashtag mais compartilhada de todos os tempos da última semana (não vou repeti-la aqui por motivos óbvios: não ganhei cachê) foi peça muito bem pregada por uma agência de publicidade contratada para agregar valor ao camarote do craque. Típica pegadinha de malandro. Rá. Campanhaça de marketing que fez Darwin deixar o túmulo e subir em árvores – seguido por um planeta inteiro de miquinhos amestrados e macacos de imitação.

Mas capitalismo pouco é bobagem; capitalismo que se preze é selvagem. Tanto é que, horas depois de a campanha – revolucionária feito t-shirt do Che – se espalhar pelas redes sociais, já tinha homem-primata-com-nariz-de-tucano enchendo os bolsos de potássio graças a uma camisa que estampava não só a hashtag, como a banana (descascadamente plagiada) do Andy Warhol. Pior: vendida a suspeitíssimos 69 reais. É ou não é mensagem subliminar de sacanagem das brabas?

Que as colegas de auditório não me escutem: o mundo anda tão pornograficamente maquiavélico e globalizado que não me surpreenderia se descobrissem que a ameba que atirou a banana durante o jogo do Barça fora contratada para tal (ainda que haja zilhares delas por aí fazendo o mesmo serviço sem cobrar um centavo). E mais: também não me espantaria se o próprio Daniel Alves, a vítima da vez, já tivesse ciência do roteiro a ser devorado. Nada mais me soa – desculpem o trocadilho – inverossímio.

Num tempo em que até o combate ao racismo vira mercadoria em questão de cliques, só resta uma certeza: a de que estamos todos pagando – e bem caro – aquele mico.