Não
é difícil imaginar a cena: Michel Gondry sendo defenestrado de seu quarto sem janelas
pela própria cama, mobília cheia de atitude e personalidade, enquanto o armário
bate as portas avisando que é hora de acender o sol, engolir o caderninho de
capa mole e deixar o coração anotar os sonhos da última noite no livro de
receitas.
Quantas
dessas anotações não terão servido de inspiração para seu mais recente filme, A espuma dos dias, baseado na obra
homônima de Boris Vian (que não li).
A
historinha é até bem careta: rapaz endinheirado (Colin) e mocinha fofa (ah,
Audrey Tatou) se conhecem, se apaixonam, se casam, tudo muito bem, tudo muito
bom, até que ela descobre que tem uma doença grave, gravíssima, vai piorando,
piorando, melhora um bocado, piora de novo, piora mais um tanto e...
...
as convencionices param por aí – são sufocadas pelas invencionices do diretor. Pois
não basta a campainha berrar, tem que parecer uma barata; não
basta o sujeito dançar, tem que ter pernas de flamingo; não basta a comida ser
colorida, tem que fazer coreografia; não basta o piano tocar, tem que preparar coquetéis; não
basta o sapato calçar o dono, tem que sair correndo feito cãozinho arisco.
E não vou nem alongar a língua pra falar da nuvem
que flana por Paris com o casal apaixonado a tiracolo, do arco-íris acionado
por controle-remoto, das corridas de carro no interior de uma igreja, do chef morando
dentro da geladeira, dos funcionários com cabeça de pássaro na pista de
patinação, do caveirão de perninhas da polícia local, do ratinho com focinho de
gente, da casa que vai diminuindo com o passar do tempo...
Peraí: por ela vale esticar a língua e umas
linhas. Sacada delirante (no bom sentido) mostrar quanto o lar e a existência
de Colin vão encolhendo, nublando, ficando a cada dia menos technicolor, mais e
mais claustrofóbica, a partir do instante em que Chloé (ah, Audrey) engole uma
flor e adoece. A metáfora da vida que passa e não despassa – que descolore, que
empoeira, que enferruja, que envelhece – é bonita e triste ao mesmo tempo e
espaço. Chega a causar náusea de tão poética.
Mas é das poucas que servem à narrativa, atravancada
cena após cena pelas zilhares de bizarrices que Gondry insiste em pintar na
tela – esquisitices que em geral não ajudam no desenvolvimento da trama, nem
contribuem para que o espectador se atire na toca do coelho. A impressão que
resta, ao subir dos créditos, é a de um passeio cacetíssimo por uma lojinha de
brinquedos exóticos.
Quero ver o filme depois de ler sua postagem ... Audrey é muito carismática e por ela já vale ve-lo
ResponderExcluirQue coisa de louco!
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